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Katiana Pena compartilha trajetória à frente de projeto social que tem transformado vidas em Fortaleza

Bailarina e coreógrafa abre as portas do instituto que leva seu nome, situado no Grande Bom Jardim, em Fortaleza, para compartilhar a história de superação que lhe atravessou. Atualmente, Katiana Pena acompanha mais de mil crianças e adolescentes da periferia e ganhará, em breve, apoio do Criança Esperança

Danielber Noronha 

danielber@ootimista.com.br

Na semana em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, O Otimista apresenta a história de Katiana Pena, bailarina, coreógrafa e empreendedora social. Muito distante da realidade de prêmios e apresentações internacionais, a cearense cresceu em uma família de 19 irmãos, tendo como pano de fundo a região do Grande Bom Jardim, na capital cearense. A metamorfose começou quando teve contato com a arte circense e também através da dança, instrumento este que a profissionalizou e fez dela uma cidadã do mundo. “Acredito que a dança teve o papel de me salvar, de me escolher”, destaca.

No regresso a Fortaleza, trouxe na bagagem a vontade de transformar vidas e abrir caminhos para novos meninos e meninas do Bom Jardim, fazendo brotar o Instituto Katiana Pena (IKP), que funciona na própria casa dela há oito anos. O espaço oferece aulas de dança, percussão, esportes variados e até reforço escolar. “A gente acredita que pode potencializar e conquistar essa criança que está aqui dentro para ir trabalhando a cidadania e o lado humano, para que essa criança e esse adolescente despertem um olhar novo e acreditem que podem se desenvolver enquanto cidadãos”, frisa. À reportagem, a idealizadora fala sobre os desafios, as transformações dos mais de mil alunos atendidos atualmente e da expectativa pelo apoio do programa Criança Esperança, da TV Globo, que entre como parceiro do IKP a partir deste ano. Confira!

O Otimista – Como a arte circense e a dança transformaram sua vida?

Katiana Pena – Foi uma oportunidade que apareceu para eu poder dar um rumo diferente à minha história de vida, que venho de uma família muito grande, muito numerosa. Dali, enxerguei que poderia ser uma pessoa diferente, poderia ter uma oportunidade de fazer a minha história diferente. Então, esses primeiros anos que foram dentro do Circo Escola, foi onde consegui enxergar minha potência e ver uma brecha para sair de uma realidade tão cruel, cercada pela pobreza. Foi uma oportunidade que agarrei com unhas e dentes para ser o resultado da minha família. Já a dança foi o divisor de águas. Ela foi o lugar onde consegui enxergar, tecnicamente e profissionalmente, que poderia sobreviver daquilo. Não sabia que ela era uma ferramenta tão poderosa de transformação, inclusive, de eu poder retribuir isso de uma maneira tão grandiosa. Acredito que a dança teve o papel de me salvar, de me escolher. Ela me escolheu, não fui eu que escolhi a dança.

O Otimista – Quando entendeu que queria ser bailarina e que a dança era, de fato, uma opção de caminho profissional a seguir?
Katiana – Através dos movimentos que me encantavam, das músicas e dos espetáculos, entendi que ali era o meu lugar. Não tive em nenhum momento dúvida sobre realmente o que queria ser. Escolhi a dança para me profissionalizar e crescer, me enxergar a longo prazo, sendo uma referência, hoje, na dança e principalmente no cenário cearense.

O Otimista – Como se sente em ter podido sair da periferia de Fortaleza para mostrar seu talento em outros estados e até no Exterior? O quanto essas vivências agregaram à sua trajetória?
Katiana – Me sinto uma privilegiada, me sinto responsável, hoje, de ser essa pessoa que projeta tantos sonhos em outras pessoas e isso que me fortalece a continuar essa caminhada. Viajei boa parte da Europa e alguns outros estados aqui levando a dança, mas essa dança não era só aquele peso de dançar, era a minha história, era a história do Bom Jardim, era a história de uma menina de uma família de 19 irmãos, cercada pela fome e pelas mazelas sociais ao tempo todo. Isso também me trouxe aquele lugar de que preciso continuar. Não posso desistir, porque muitas pessoas dependem dessa minha imagem, da minha dança e desse meu sonho de dançar e levar a arte aí como essa ferramenta de potência e de transformação pessoal. A arte me possibilitou conhecer novas culturas, novos estados, pessoas, e, principalmente, mostrar a favela como potência que é.

(Foto: Edimar Soares)

O Otimista – E o Instituto, como ele chega e de onde vem a ideia de transformar sua casa em um espaço de acolhimento e arte?
Katiana – O Instituto chega a partir da vontade de devolver para a comunidade aquilo que deu certo comigo e que é bonito de mostrar. E, claro, também, sempre nesse lugar de que as coisas ainda continuam acontecendo, a violência, as mazelas sociais, a desigualdade, elas sempre estão ali. E, como estou nesse outro lugar, nada mais justo do que trazer a arte para perto, para dentro das casas das pessoas, dando oportunidade e esperança a essas crianças e adolescentes, para que eles consigam ter esse brilho no olho que eu tive quando era menor. Foi a melhor decisão que eu fiz, de abrir as portas da minha casa e encher esse lugar de arte e de potência, que é o Instituto hoje.

O Otimista – Ao longo desses oito anos de atuação, quais foram os principais desafios à frente do IKP?
Katiana – Mostrar a favela como um lugar de solução, não de problemas; captação de recursos, que é uma preocupação constante de quem desenvolve o terceiro setor; mostrar ao primeiro setor, ao segundo setor, a importância que é ter sua empresa aliada ao social, o impacto que se causa; mostrar a credibilidade e a confiança do que o terceiro setor desenvolve na periferia. São desafios que fazem a gente estar buscando, batendo na porta, mostrando, vendo que podemos mudar a realidade do nosso país, uma vez que as dificuldades ainda existem de modo muito frequente. Vi muitas lideranças e instituições fechando as portas, porque é um cenário difícil e não é para todo mundo. Realmente, precisa abraçar missão e agarrar com unhas e dentes os recursos para manter as portas abertas.

O Otimista – O Instituto começou com a dança, mas, hoje, tem uma gama bem maior de atividades, incluindo aulas de reforço escolar. Como essa maior oferta é positiva para a vida das crianças atendidas?
Katiana – Pela dificuldade e os estudos de caso que fizemos aqui, enxergamos que há uma lacuna, uma brecha muito grande na escolaridade, por exemplo. Colocamos aulas de português e matemática porque sabemos que as crianças que frequentam a instituição, com cinco, seis anos, não reconhecem as vogais ou mesmo não têm acesso à escola. Ao todo, são muitos afazeres e muitas atividades. A gente acredita que pode potencializar e conquistar essa criança que está aqui dentro para ir trabalhando a cidadania e o lado humano, para que essa criança e esse adolescente despertem um olhar novo e acreditem que podem se desenvolver enquanto cidadãos. O Instituto está sempre fazendo escuta ativa dentro das comunidades para enxergar essa deficiência, essas mazelas para levar como retorno o que é melhor para eles. Quanto mais preparamos para o mercado, mais esses jovens começam a despertar para um futuro de carreira.

O Otimista – Ao todo, quantas pessoas já foram beneficiadas pelas ações do Instituto e quantas são atendidas atualmente?
Katiana – Nesses oito anos, acredito que o Instituto tenha impactado entre 5 e 6 mil pessoas. Atualmente, são 1.150.

O Otimista – Houve um passo significativo na trajetória do IKP, que foi a abertura de uma sede em São Gonçalo do Amarante. Como tem sido o trabalho por lá e a recepção da comunidade?
Katiana –  Olha, é bem desafiador, mas muito importante porque fazer essa história se perpetuar em outros lugares, onde a gente sabe que existem outras Katianas, para além do Bom Jardim, outros territórios e outras favelas. Fui para dentro da escola agora, porque a gente acredita que tem uma importância muito grande estar ali como atividade complementar. A comunidade, obviamente, aceita muito bem, porque o balé sempre chama muita atenção e o esporte também cresceu muito.

O Otimista – Existem planos para levar o projeto a outros municípios cearenses? Se sim, o que é necessário para isso acontecer?
Katiana – Tem, sim! Não sei se dessa mesma configuração, mas penso em criar ferramentas para preparar outras instituições, outras lideranças, para desenvolver, despertar e encorajar outras pessoas a fazerem esse mesmo tipo de ação. O Instituto ainda também precisa se estabilizar, ter uma sede própria, angariar seus próprios recursos, para depois a gente pensar nesse lugar de replicar e preparar outras instituições.

O Otimista – Outro avanço significativo foi a chegada do Criança Esperança ao projeto. Como tem sido a parceria? Já chegaram recursos? Além disso, a visibilidade trouxe outros apoios para fortalecer a iniciativa?
Katiana – O Criança Esperança foi maravilhoso, porque trouxe credibilidade e confiança para todo o cenário. Fortaleceu as empresas que já apoiam a instituição, mas deu uma visibilidade muito grande para o nosso território, porque o Bom Jardim está passando em rede nacional com Criança e Esperança e a gente espera, a partir daí, crescer cada vez mais. O recurso está para cair, nós estamos nesse momento de assinatura de contrato. A gente já percebe que é uma seriedade muito grande, eles exigem muitas coisas e isso é muito importante. Estamos ansiosos para ver durante esse ano como será a parceria e espero que isso traga mais empresas, mais pessoas olhando para o Bom Jardim, enchendo a gente de orgulho.

O Otimista – Agora falando sobre si, como o Instituto transformou você enquanto mulher e profissional?
Katiana – Olha, eu não sei se eu sou coreógrafa gestora ou se sou gestora coreógrafa. O fato é que o Instituto me preparou muito, me fez crescer na questão da gestão. Hoje, dirigir, inspirar o time, é um privilégio, porque são pessoas conhecidas e que acreditaram no meu sonho. Mas sempre falo que o que o Instituto alcançou é muito pouco. Temos 8 anos de idade e é quase uma criança, sabe? Ainda precisamos trabalhar, aprender e construir muito mais bagagem. Falando enquanto artista, bailarina e coreógrafa, consegui realizar vários sonhos, como montar os espetáculos contando a história do Bom Jardim, ser premiada com eles e, claro, contar a minha história de vida.

O Otimista – Por fim, como espera que o IKP esteja futuramente, daqui 5 ou 10 anos?
Katiana – A maior rede de impacto social do nosso Brasil, é isso que penso para o Instituto. Estaremos aí contando a história da Katiana e preparando, através dessa sonhadora, essas redes para replicar outras histórias e outras transformações através da arte, do esporte, da educação.

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