InícioPáginas VermelhasGero Camilo lança filme Aldeotas nos cinemas, faz balanço da carreira e...

Gero Camilo lança filme Aldeotas nos cinemas, faz balanço da carreira e se diz esperançoso em relação ao futuro da cultura no Brasil

Está em cartaz nos cinemas brasileiros o longa-metragem Aldeotas, dirigido, roteirizado e protagonizado pelo cearense Gero Camilo. Durante passagem por Fortaleza, ele falou ao O Otimista dos desafios da produção, comentou sobre o momento de transição política atravessado pelo País e defendeu nordestinos dos ataques xenofóbicos 

Danielber Noronha 

danielber@ootimista.com.br

Presente na literatura, na música, no teatro, no cinema e na televisão, Gero Camilo já demonstrou que se adequa em qualquer habitat. No currículo, carrega sucessos nacionais, a exemplo de Cidade de Deus (2002), Carandiru: O Filme (2003) e o remake da novela Gabriela (2012). O cearense, porém, não usa da multiplicidade de talentos para se colocar em um patamar superior. “Me sinto como um feirante, que abre sua barraquinha e tem muitas coisas a oferecer: uma poesia aqui, uma música acolá, uma peça, um filme e uma novela para acontecer”, compara.

Em bate-papo com O Otimista, ele diz ter assumido o lugar de poeta para não se prender a uma única caixa e explorar todas as potencialidades, algo que imprime com maestria no filme Aldeotas, que já foi livro, peça teatral e, agora, está em cartaz pelos cinemas do Brasil. Na obra, ele roteirizou, dirigiu e deu vida ao protagonista Levi, que deixa uma cidade pacata no Interior do País, para tentar a vida em um grande centro urbano, deixando para trás o melhor amigo, Elias (Marat Descartes). Aos 50 anos, o personagem de Gero retorna justamente para o velório do colega e é confrontado com questões do passado. “É muito importante perceber em Aldeotas a reflexão sobre a masculinidade, com homens que não são grosseiros e por isso sofrem diante de uma sociedade machista e misógina […] É um filme que nos toca de todas as formas e precisamos cada vez mais nos sensibilizar e nos abrir para o afeto, para que a gente receba e acolha toda a diversidade de gênero”, expõe.

Na conversa, ela falou também dos desafios de produzir o longa-metragem dentro das limitações orçamentárias e do desafio de viver da arte no Brasil, um dos motivos pelos quais ele se aventura em todas as linguagens possíveis, além de se mostrar esperançoso em relação ao andamento da seara cultural no âmbito federal, com a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar a Presidência da República. Confira entrevista na íntegra!

O Otimista – Como se sente ao retornar para a terra natal, especialmente trazendo um projeto novo para apresentar aos conterrâneos? 

Gero Camilo – Tenho uma sensação de que nunca saí daqui. Na verdade, nunca saí! Mesmo que tenha ido embora, a relação com Fortaleza sempre me faz retornar e também me faz ir adiante. A cada lugar que vou, levo essa Fortaleza comigo. Cada vez que volto, trago uma bagagem maior de conhecimento, mas ela permanece no que tenho de mais umbilical, que são minhas referências e identidades culturais com este lugar. 

O Otimista – O Levi é um personagem que fugiu do interior para tentar a vida numa cidade grande. Esse ponto de partida é inspirado em você? Quanto do Gero habita no Levi? 

Gero – Aldeotas não é autobiográfico, embora eu me identifique muito com o personagem Levi, que é um jovem poeta que se tornou escritor, saído de uma cidade pequena e que foi para o mundo. Essa busca por liberdade, por expressão, por arte, tudo isso me identifica com o personagem. As questões existenciais relacionadas às questões de gênero, eu também sou homossexual assim como o personagem, e também sou um pesquisador da literatura e desbravador da poética, de querer colocar poesia em tudo que faço. 

O Otimista – Pode compartilhar também como foi, além de aparecer em cena, estar na direção e roteirização do projeto?

Gero – É um grande desafio escrever, dirigir e atuar numa mesma obra, mas foi algo que me instigou muito, porque novos filmes e peças virão a partir da minha escrita. Na verdade, o maior desafio em dirigir Aldeotas não foi estar atuando ao mesmo tempo, mas, sim, adaptar a obra dentro das condições orçamentárias do projeto. É importante que se diga que Aldeotas é fruto de um edital da Ancine [Agência Nacional do Cinema], de experimentação de linguagem, o que me deu a liberdade de construir uma linguagem que não é naturalista. O filme flerta com o surreal e isso é muito interessante para o cinema brasileiro, que, muitas vezes, está viciado no mesmo tipo de expressividade. 

O Otimista – No longa, volta a contracenar com Marat Descartes . Como foi esse reencontro?

Gero – Aldeotas teve três atores que contracenaram comigo na peça: o primeiro foi o Marat, o segundo foi o Caco Ciocler e o terceiro foi o Victor Mendes. No filme, resgatei o Marat, da primeira montagem. Ele é um amigo de muitos anos. Nos conhecemos na Escola de Artes Dramáticas [EAD/USP], fizemos o vestibular juntos, em dezembro de 1993, e nunca nos abandonamos. Ele é, pra mim, um dos maiores atores do Brasil.  

O Otimista – O ano é 2022, mas os acontecimentos da história recente do Brasil demonstram que ainda precisamos discutir muito sobre preconceito e liberdade sexual. Em que medida o filme pode acrescentar nesta discussão? 

Gero – O filme pode acrescentar muito nessa discussão porque trata do afeto e da amizade. É a partir da relação entre esses dois personagens masculinos que a gente faz uma reflexão ao ver a trajetória deles. O Levi vai se descobrindo homossexual e o Elias, heterosexual. Porém, essas identidades dos dois também não são fechadas e são mostradas no filme como descobertas vivenciadas e não como algo já estabelecido e imutável. É muito importante perceber em Aldeotas a reflexão sobre a masculinidade, com homens que não são grosseiros e por isso sofrem diante de uma sociedade machista e misógina. Os dois dialogam sobre esse mundo que precisa ser transformado. É um filme que nos toca de todas as formas e precisamos cada vez mais nos sensibilizar e nos abrir para o afeto, para que a gente receba e acolha toda a diversidade de gênero. 

O Otimista – Com o caráter mais abrangente do cinema, é possível que a história de Aldeotas chegue a mais pessoas? E como se sente diante dessa possibilidade?

Gero – Me deixa muito contente saber que o filme vai para vários países, e que o acesso ao cinema é muito mais fácil e rápido do que à peça, por exemplo. Ao circular por outros lugares, o filme mostra essa identidade de que, por mais diferentes que sejamos, existem pontos comuns na alma humana que nos interligam. 

O Otimista – Você é um artista que transita no teatro, na televisão, no cinema e na música. Porque se aventurar em todos esses campos e o quanto essas múltiplas experiências te agregaram enquanto artista?

Gero – Costumo dizer que, acima de tudo, sou um poeta. Ao assumir esse lugar, é como se estivesse me dando um carta de alforria para ser livre da prisão de qualquer limitação com relação às escolhas profissionais dentro de sistema capitalista, onde as pessoas são, muitas vezes, obrigadas a seguir numa profissão mesmo não tendo mais prazer, por uma questão de sobrevivência. Me assumir poeta é me deixar livre para escolher a diversidade de linguagens onde posso chegar enquanto artista. Me sinto como um feirante, que abre sua barraquinha e tem muitas coisas a oferecer: uma poesia aqui, uma música acolá, uma peça, um filme e uma novela para acontecer. Essa multiplicidade de possibilidades é, acima de tudo, para garantir o meu sustento. Só quero me comunicar o máximo possível com as pessoas e não morrer de tédio e nem de tristeza de ser uma única coisa por toda a vida. 

O Otimista – Como tantos outros expoentes, você é a prova viva de que o Nordeste não cabe dentro da xenofobia que foi alvo no período eleitoral. O que, no seu olhar, precisamos fazer para virar essa chave de vez? 

Gero – Essa pergunta é complexa e exige muita conversa, mas de uma coisa tenho certeza: precisamos discutir o que é ‘racialização do Nordeste’. Porque estamos passando por isso enquanto brasileiros e, no nosso caso, enquanto nordestinos? O que há por trás dessa ‘racialização’? Como discutir isso? É uma conversa aberta, que todos temos que ter! Isso me lembra aquele verso do Belchior, que diz: “Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve! Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos! Não sou da nação dos condenados! Não sou do sertão dos ofendidos! Você sabe bem: Conheço o meu lugar!”.

O Otimista – Aproveitando o assunto eleição: como estão suas expectativas em relação ao novo governo na seara da cultura?

Gero – Minhas expectativas são as melhores! Vamos novamente ter um Ministério da Cultura para discutir, nas diversas regiões do Brasil, os incentivos e a produção cultural, para que a identidade plural do Brasil se fortaleça e a gente se sinta cada vez mais feliz, tendo em nós o que há de melhor e exportando para o mundo esse nosso melhor, criando uma via de comunicação com os outros países. 

O Otimista – Hoje, após tantos desafios vencidos e com rosto e nome estampado em tantos trabalhos, sente-se realizado diante de tudo que conquistou? Ainda existe algo que sonha realizar na carreira?

Gero – Me sinto muito realizado em tudo que fiz, mas não me sinto saciado. Inclusive, retornado à pergunta anterior, me senti muito ameaçado enquanto artista nos últimos anos. Foi muito difícil guardar reservas materiais passando por um governo que te boicota e te derruba. Sou um ser humano muito realizado artisticamente, mas ainda tenho uma demanda material que precisa ser fortalecida por foi desgastada e ameaçada no governo passado. É aquela história: a gente é feliz fazendo arte, mas seguimos batalhando pelo pão de cada dia. 

 

RELACIONADOS

PUBLICIDADE

POPULARES