Em entrevista ao O Otimista, o escritor e jornalista Xico Sá adiantou alguns dos assuntos que vai abordar na conversa com o secretário de cultura do Ceará, Fabiano Piúba, nesta terça-feira (20), às 19h, no perfil @palavras.projeto, no Instagram
Naara Vale
naaravale@ootimista.com.br
Há quase 40 anos fora do Cariri, o jornalista e escritor Xico Sá nunca havia passado tanto tempo sem voltar a beber na fonte de inspirações que é a terra que lhe viu nascer. Desde que saiu de casa, ainda adolescente, para “ganhar a vida” no Recife, esta é a primeira vez que ele passa mais de um ano sem visitar Juazeiro do Norte, na região sul do Ceará. Um prejuízo enorme para a sua vida de cronista, diz ele. “Cada vez que você vai, é um olhar diferente, bate aquela carga de novo de infância, de adolescência, aquele arquivo inteiro de memórias. É sempre muito comovente essa volta”, conta o escritor.
Nesta terça-feira (20), Xico Sá volta a passear pelo Cariri, porém, numa conversa virtual mediada pelo também escritor e titular da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult), Fabiano Piúba. O bate-papo, que acontece às 19h, será transmitido pelo perfil @palavras.projeto, no Instagram, e pelo canal do YouTube da Secult. A live integra o projeto Palavras, que tem promovido uma série de ações com o objetivo de democratizar a literatura cearense e formar novos leitores.
A conversa com Xico Sá vai falar sobre sua trajetória como jornalista premiado; como autor de mais de uma dezena de obras de literárias; como o cronista que transforma “uma miudeza do dia a dia em algo grandioso como se fosse um acontecimento que mudaria a ordem mundial”; como comentarista que um dia está em um programa de televisão falando sobre relacionamentos amorosos intensos e, no outro, está comentando o jogo de futebol que passou no domingo com a mesma desenvoltura.
O papo vai transitar ainda pelas suas memórias do seu Cariri, sobre política e sobre o que está para chegar, como o romance “A Falta”, que ele está finalizando, mas ainda sem data para ser lançado. “O tempo vai ser muito conivente com a fila da vacinação. Eu gosto muito de viajar com o livro, defendendo, fazendo conversas com os leitores, e seria muito estranho eu lançar um livro longe de quem vai ler”, explica.
O Otimista – Você tem a crônica como sua verve e já disse que sua matéria-prima é a rua, a observação nas mesas de bares. Como têm sido esses períodos de isolamento? Qual tem sido a sua matéria-prima?
Xico Sá – Foi um prejuízo e tanto no primeiro momento da quarentena. No começo, eu fiquei perdido como cronista. Minha crônica é muito o café na esquina, a observação das ruas, personagens dos bares, personagens noturnos, a sabedoria de um garçom, depende muito do convívio e da rua. Fiquei meio perdidão. Depois, fui focando, e aí não só sou eu, acho que todos os cronistas, estamos muito mais reflexivos. Comecei a fazer um apurado da vida. A crônica sempre foi um pouco nostálgica, mas no meu texto passei a ter mais essa pegada da nostalgia, da reflexão. Fui mudando a forma de ver as coisas, até porque eu tenho que entregar a crônica, não tem saída, é o meu ganha-pão. Então, tive que me adaptar, escrever muito mais sobre o meu dia-a-dia com a família, sobre o gato que não aguenta mais esse povo quarentenado e quer expulsar a gente de dentro de casa. Mas tenho sentido muita falta, é muito pesado para quem tem uma crônica assim de muitos anos voltada para o passeio. Eu viajo muito. Cada cidade que eu vou é uma crônica diferente, meu texto é muito em torno dessas viagens, então, tem feito muita falta. Claro que o meu texto ficou mais opinativo porque a gente vive nesse momento conturbado na política, na pandemia, então, voltei para uma coisa mais de opinião, mas vou te ser sincero: eu prefiro essa crônica mais leve, de viagens, de personagens.
O Otimista – Você fala muito de amor, das relações amorosas. Como você se inspira para falar disso? Também é observando ou muito disso vem de vivências suas?
Xico Sá – Eu acho que tem um pouco de vivência, mas é mais de observação, de olhar de cronista mesmo. Eu tive a sorte de, quando eu morava aí em Juazeiro do Norte, no final dos anos 1970, começo dos anos 1980, eu mal sabia o que era um namoro, um relacionamento, e com 15 para 16 anos, eu já colaborava com um programa de rádio chamado “Temas de Amor”, na Rádio Vale do Cariri, um programa comandado por um vizinho meu chamado Jevan Siqueira, que mora em Fortaleza hoje. Então, eu já escrevia sobre amor, sobre o namoro da vizinha costureira com o Nonato, que era pedreiro e era nosso vizinho também. Essas crônicas faziam muito sucesso porque eu estava retratando coisas esquecidas ali no nosso dia a dia em Juazeiro. Quando eu levava esses personagens e o amor deles para o rádio, era de uma repercussão assim gigante. Acho que foi aí que eu aprendi: esse assunto é bom. É algo muito universal. Uma história que eu conto daqui da minha rua em São Paulo bate com alguém lá do Conjunto Ceará, em Fortaleza. Então, quando você escreve sobre amor, e eu costumo dar uma carga de lirismo muito grande, por inspiração do Nelson Rubens, eu acabo também sendo muito exagerado, hiperbólico como o amor é… As dores de amor você acha que não tem mais salvação. É um tema que eu não largo mão.
O Otimista – É muito interessante que os cronistas conseguem observar coisa que todo mundo vive e presencia, mas não tem o olhar aguçado para ver a beleza daquele momento…
Xico Sá – Essa é a nossa arte, acho que a nossa missão no mundo é estar com esse olhar sempre de plantão para essas coisas. Às vezes, é uma miudeza do dia a dia que ninguém valoriza e a nossa ideia é tornar isso em algo grandioso como se fosse um acontecimento que mudaria a ordem mundial.
O Otimista – Você anda sempre com um caderninho anotando essas observações?
Xico Sá – Hoje, com as facilidades tecnológicas, acaba que às vezes só gravo quando não dá tempo anotar, ou faço uma foto de um ambiente que eu quero descrever. Hoje eu uso muito esse recurso para me ajudar na hora do texto. Mas é esse plantão permanente, com essas pequenas coisas à nossa volta.
O Otimista – Ao longo da sua trajetória, você já escreveu sobre tudo: amores, futebol, política, cotidiano. Existe algum tema que te desperta mais prazer em escrever?
Xico Sá – No nosso ramo do jornalismo, a gente acaba sendo especialista em tudo e, ao mesmo temo, em nada. Trabalhei muito tempo em jornalismo investigativo, hoje dou muita opinião em redes sociais, mas vou confessar que o que eu gosto mais é essa crônica boêmia, da noite, essa crônica de uma miudeza do dia a dia. Isso me dá mais prazer de escrever do que qualquer outro assunto. A política eu juro que é até um pouco doloroso porque se trata de um tema muito pesado, é muito do que a gente está vivendo. É mais meu dever de cidadão de criticar o que eu acho que está errado do que o prazer do cronista.
O Otimista – Tem algum projeto novo sendo preparado? Algum livro para ser lançado, algum projeto na literatura infantil?
Xico Sá – Nesse tempo que a gente passa 24 horas em casa, haja projeto, né? Estou terminando um romance. Escrevi poucos romances porque eu me declaro um cronista, mas vez por outra, eu gosto de brincar na área de ficção. Eu tinha feito o “Big Jato”, que é um romance que é muito sobre o meu mundo lá no Cariri, e agora estou terminando um romance que é uma história entre amor e futebol. É uma história amorosamente pesada e devo terminar agora nos próximos dias. É uma ficção de um goleiro que sai muito cedo para jogar na Europa. Chama a “A falta”.
O Otimista – Tem previsão de lançamento?
Xico Sá – Está uma loucura, as editoras não sabem. Eu preferia segurar um pouquinho se pudesse para voltar a abraçar o leitor naquela fila de autógrafo na livraria. Então
O Otimista – Como é a sua relação hoje com o Ceará e o com o seu Cariri?
Xico Sá – Eu tenho uma relação muito forte. Pela primeira vez na vida, está completando um ano que não vou no Cariri. Isso nunca tinha acontecido desde que eu sai de lá há quase 40 anos. Eu tenho sentido muita falta disso. O fato de eu não voltar me empobrece muito como cronista. Cada vez que eu vou, volto muito renovado de assunto, com um balaio de coisas novas. E a própria percepção. Cada vez que você vai, é um olhar diferente, bate aquela carga de novo de infância, de adolescência, aquele arquivo inteiro de memórias. É sempre muito comovente essa volta. Às vezes, até o cheiro de uma coisa, uma imagem que bate lá com a infância me faz reviver coisas dolorosas ou alegres, mas é sempre muito comovente. Isso me recarrega muito para a escrita. Mas falo com as pessoas todos os dias, tenho amigos de lá, leio todos os dias as páginas relacionadas a assuntos do Cariri.
O Otimista – É uma paixão mesmo que não se perdeu, ne?
Xico Sá – Acho que é para eu estar vivo: esse é o meu lugar, esse é o meu mundo. Isso foi muito importante na minha história toda, mas talvez hoje eu tenha mais relação afetiva do que, digamos, nos primeiros 10 anos depois deque eu saí. Eu tinha aquela saudade, mas não conseguia transformar aquilo no meu uso profissional. Hoje está mais entranhado, hoje eu me considero mais do cariri do que um tempo atrás.
Serviço:
Projeto Palavras
Bate-papo entre Xico Sá e Fabiano Piúba
Hoje (20), às 19h, no instagram @palavras.projeto