Débora Bloch brilha com sua releitura de Odete Roitman na nova versão de “Vale Tudo”. O remake até divide opiniões, mas a atuação da atriz é praticamente uma unanimidade
Émerson Maranhão
emerson@ootimista.com.br
Não se pode negar que “Vale Tudo”, o mais aguardado remake da teledramaturgia brasileira nos últimos anos, tornou-se assunto País afora. No entanto, a novela assinada por Manuela Dias está longe de ser uma unanimidade. Muito do que se fala a seu respeito são críticas – e maioria delas merecidíssima. Dois dos principais alvos da maledicência pública, chamemos assim com certa ironia, são mais que justificados. O primeiro deles é a inserção ostensiva de ações de merchandising na trama. Não à toa, “Vale Tudo” já detém o título de novela das nove com o maior faturamento em 60 anos da Rede Globo de Televisão.
Nada contra ganhar dinheiro e produtos comerciais são criados com essa finalidade. O problema que se coloca é a falta de sutileza com que o recurso vem sendo utilizado. No capítulo da última quinta-feira (21), por exemplo, para promover uma determinada marca de sabão, foi ao ar uma cena em que César (Cauã Reymond) e Olavo (Ricardo Teodoro) caminham no calçadão da praia quando, do nada, encontram com o multicampeão olímpico Usain Bolt, ao lado de um quiosque repleto com os tais produtos. Para tornar a cena menos verossímil ainda, a presença do ex-velocista jamaicano só é percebida pela dupla de amigos.
O segundo foco frequente dos críticos é a grande quantidade de pontas soltas na trama e de situações forçadas a que Manuela tem recorrido para atualizar a história de Maria de Fátima (Bela Campos) e Raquel Acioly (Taís Araújo). São muitas as listas “de Perguntas sem respostas em ‘Vale Tudo’” espalhadas pela internet. Um bom exemplo da primeira situação é “Se a Odete é dona da TCA, por que não tem uma sala própria e precisa despachar sempre naquela sala imensa de reuniões?”, como apontado pelo crítico de TV do Uol, Thiago Stivaletti. Já sobre a forçação de situações dramáticas, basta citar o recente capítulo em que Heleninha Roitman (Paolla Oliveira) tem uma recaída no vício em álcool e decide se embriagar sentada numa calçada acompanhada por um vira-lata, com quem chega a dividir uma garrafa de uísque, e esta calçada é exatamente em frente a um bar onde seu filho Tiago (Pedro Waddington) está com amigos. Haja coincidência!
Megera reinventada

Apesar deste e de outros percalços narrativos, “Vale Tudo” tem encantado grande número de telespectadores. E, sem sombra de dúvida, arrisco dizer que o motivo de tamanho encantamento atende pelo nome de Odete Roitman. Grande vilã do folhetim, a megera autoritária que interfere na vida de quase todos os personagens, surpreendeu e vem roubando a cena nesta versão da novela.
Interpretada magistralmente por Débora Bloch, a Odete de 2025 segue com atitudes reprováveis, um senso de justiça muito peculiar e total indiferença ao sofrimento alheio. Só que tudo isso vem embalado em um charme irresistível, em uma elegância irretocável, em uma verve rápida e ácida e numa capacidade de sedução rara. Aqui há que se admitir que além do desempenho da atriz, o sucesso da personagem deve muito à autora.
A Odete de Beatriz Segall, levada ao ar na versão original em 1988, era odiável à primeira vista. E isto era um trunfo do trio de autores da trama (Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva). Tanto que sua humanização só se deu último terço da novela. Já Odete atual continua com caráter abjeto e determinação para destruir todos os que se colocam em seu caminho, mas é fascinante. Simples assim.
Tanto que muitas de suas falas já viraram bordões, e suas cenas rendem memes compartilhados a perder de vista nas redes sociais (e em figurinhas de WhatsApp, outro termômetro de popularidade contemporâneo, como bem definiu Fernanda Torres, atriz escalada originalmente para a personagem).
A paixão dos telespectadores por Odete Roitman suscitou teorias e mais teorias sobre o quão a falta de escrúpulos da vilã refletiria o “espírito do brasileiro” na atualidade. Tese esta reforçada pela simpatia do público por outro vilão da trama, o executivo Marco Aurélio, interpretado por Alexandre Nero, que também trouxe novas camadas para sua releitura do diretor corrupto da TCA.
Análises sociológicas e psicanalíticas à parte, que as façam os que forem qualificados a fazê-las, o fato é que Débora Bloch consagra-se com sua criação para uma das mais odiadas e odiáveis vilãs da teledramaturgia brasileira. Desde que iniciaram os boatos que “Vale Tudo” ganharia um remake, a pergunta que não calava era justamente a quem caberia o desafio hercúleo de dar vida à nova Odete.
Por conta do destino, com direito a várias reviravoltas, a missão coube à Débora, que a desempenha primorosamente. E, certamente, não é por acaso que até esta altura do texto o nome da heroína e da aprendiz de vilã que moveriam a trama só foi citado uma vez e, ainda assim, en passant. “Não é mesmo, meu bem?”