Nos bastidores do cinema cearense, heranças vão muito além de equipamentos: passam de pai para filhos na forma de enquadramentos, luzes e histórias. Neste Dia dos Pais, Tapis Rouge revela como Joe Pimentel e Rosemberg Cariry, dois ícones do audiovisual, transmitiram a paixão pelo ofício aos filhos Bruno e Bárbara, respectivamente, transformando sets de filmagem em ambientes familiares de aprendizado mútuo
Sâmya Mesquita
samyamesquita@ootimista.com.br
Os bastidores do cinema, com luzes e sombras, câmeras e roteiros, é o cenário perfeito para contar histórias entre pais e filhos. E neste fim de semana dedicado aos pais, Tapis Rouge traz duas duplas que personificam essa conexão: o diretor Joe Pimentel e seu filho, o fotógrafo de cinema Bruno Pimentel; e o diretor Rosemberg Cariry e sua filha, a também diretora Bárbara Cariry. Mais do que compartilhar o sobrenome, eles dividem o mesmo campo de atuação, transformando o set de filmagem em um espaço de aprendizado e inspiração. A trajetória desses cineastas, marcada por desafios e conquistas, revela como a sensibilidade para a sétima arte não precisa ser necessariamente passada por manuais, mas também pelo companheirismo de pai para filho.
Confiança mútua
Joe Pimentel (“Bezerra de Menezes – O Diário de Espírito”, “Antônio Bandeira – O Poeta das Cores”), com mais de 30 anos de carreira, é uma figura lendária do cinema cearense. Sua trajetória, iniciada na década de 1980 com filmes em Super-8, é um testemunho de uma época em que a tecnologia era escassa e a criatividade era a principal ferramenta. Ele presenciou a transformação da indústria, da película para o digital. No entanto, mesmo com todo esse histórico, ele nunca impôs ao filho Bruno Pimentel a sua visão ou método. “Eu não expliquei nada para ele, não. Eu sou de uma geração diferente da de hoje, em que as pessoas têm cursos e faculdade. Eu aprendi muito pela observação”, conta. A convivência, no entanto, foi a maior escola, com Bruno acompanhando o pai nos sets desde a infância.
Foi a rotina inconstante dos sets de gravação que moldaram Bruno. Embora tenha cursado publicidade por seis semestres, a paixão pelo cinema falou mais alto. “Acho que sempre estive nos sets. Mas foi ali por volta dos 20 anos que comecei a ajudar como assistente de maquinário”, relembra Bruno, que no início até sonhava em ser músico, mas acabou descobrindo um lugar atrás das câmeras.
Joe reconhece as diferenças geracionais, principalmente no que diz respeito ao avanço tecnológico, mas enxerga uma semelhança fundamental entre eles: a maneira de olhar. “Eu sempre fui muito de escolher um bom ângulo, um bom plano. Adequava a iluminação àquele recorte que eu escolhia. Mas ele tem um bom gosto para iluminar, ele sabe trabalhar a luz e tem paciência para isso”, elogia o pai.
Apesar de reconhecer a carga e a pressão de ser filho de um cineasta premiado, Bruno entende que a responsabilidade é de fazer um trabalho de qualidade e se sustentar por conta própria. “Você não consegue se sustentar por muito tempo só por ser filho. Tem que mostrar seu trabalho”, diz Bruno. Essa pressão é, na verdade, um catalisador para o talento, algo que Joe Pimentel faz questão de destacar: “Isso não é só técnica. Técnica é algo que qualquer um aprende. A partir da técnica, você tem que ter sensibilidade para colocá-la a serviço do seu talento”.
A dinâmica de aprendizado, inclusive, se inverteu ao longo dos anos. Joe Pimentel, que iniciou a carreira na fotografia, hoje se considera “inseguro” para exercer a função. “Não saberia nem ligar a câmera, imagina!”, brinca. Ele reconhece que, em certos aspectos, tem mais a aprender com o filho do que o contrário,
E será que tem muito orgulho envolvido nessa dinâmica? Joe ressalta que tenta não transparecer a satisfação que é vê-lo trabalhando: “Tenho que fazer um esforço para não falar dele como meu filho, para ninguém pensar desse jeito. Mas, mais do que isso, eu confio completamente no trabalho dele”. Já Bruno, ao ser questionado sobre o que mais o orgulha, transcende a esfera profissional: “Meu orgulho é muito mais como pai do que como profissional”.
Herança Cariry

Rosemberg Cariry (“Corisco e Dadá”, “Cego Aderaldo – O Cantador e Mito”) dispensa apresentações. O diretor e roteirista também viu sua filha Bárbara Cariry (“Os Cabelos de Letícia”) seguir o mesmo caminho, assim como Petrus Cariry. “Meus filhos cresceram me acompanhando nos sets de filmagem, observando o movimento, convivendo com as equipes e se encantando com a magia do cinema. Aos poucos, esse universo foi despertando o interesse deles, e acabaram por seguir caminhos semelhantes”, reflete.
Assistente de direção e produtora, Bárbara trabalha lado a lado com o pai e com o irmão, o diretor Petrus (“Mais Pesado é o Céu”). Ela vê no exemplo do pai um farol para o próprio crescimento. “Existe uma confiança mútua que facilita muito o processo criativo. No set, conseguimos nos comunicar de forma quase intuitiva, o que torna a colaboração mais fluida. Claro que, por sermos pai e filha, às vezes os limites entre o pessoal e o profissional se misturam, mas, na maior parte do tempo, isso só enriquece a troca”, diz.
É no dia a dia que a verdadeira conexão entre esses pais e filhos se fortalece, seja na vida cotidiana ou num set de filmagens. Rosemberg ressalta o orgulho que tem da filha: “Tenho aprendido muito com os filhos, e isso é, talvez, o maior presente da paternidade: ver que o aprendizado é mútuo”. Já Bárbara nos mostra que a sétima arte não narra apenas histórias, mas também afetos: “Ver alguém que admiro tanto continuar se reinventando, sem jamais abrir mão da inventividade e do afeto no trabalho, é uma das maiores lições que levo da nossa convivência”.