No livro “João Gilberto, a Bossa”, Luiz Galvão reúne suas próprias lembranças e relatos de amigos para memorar a carreira do músico baiano, com análises detalhadas sobre a sua técnica. A obra revela ainda um João Gilberto bem-humorado e generoso
Naara Vale
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Quando realizou os últimos shows da sua carreira, em 2008, o músico João Gilberto (1931-2019) deixou para o grande público a imagem de uma genialidade diretamente proporcional ao seu nível de exigência técnica ou, em palavras mais diretas, à sua rabugice. O pai da Bossa Nova despediu-se dos palcos no dia 5 de setembro de 2008, em um show inesquecível para os que estavam presentes ao Teatro Castro Alves, na Bahia, sua terra natal. Antes, porém, logo na primeira música, reclamou do microfone que não era o que havia solicitado e brincou com uma tosse que soou no silencio da plateia. Esse era o João Gilberto que o público conheceu e cujo legado segue ovacionado.
O outro João Gilberto acaba de ser revelado pelo amigo e escritor Luiz Galvão no recém-lançado livro “João Gilberto, a Bossa”. Nele, Galvão, integrante dos Novos Baianos e principal letrista do grupo, mostra um homem mais leve, brincalhão e muito generoso com os amigos. O escritor, hoje com 86 anos, fala com a autoridade de quem não apenas acompanhou e estudou a obra de seu personagem, mas também de quem cresceu com ele, lá no Juazeiro da Bahia, e viu João dar seus primeiros acordes de violão ensinados pelo irmão, Dagmar Galvão.
O livro, como o próprio autor faz questão de deixar claro no prefácio, não tem a intenção de ser uma biografia. Galvão prefere se colocar no lugar de memorialista, chamando também amigos e parentes para tirar da memória histórias que viveram ao lado de João Gilberto. “Através da experiência de cada um, vamos montando uma espécie de quebra-cabeça, descortinando os mistérios desse mestre que a vida presenteou alguns de nós, no constante aprendizado que desfrutamos perto dele, brincando com ele, estudando-o, tomando esporro quando necessário”, escreve o músico.
A obra começou a ser escrita por sugestão do próprio João, que havia ficado descontente com a publicação “Chega de Saudade”, de Ruy Castro. Galvão conta que vem entrevistando pessoas e escrevendo sobre o amigo há cerca de 20 anos, sempre com o aval do seu “biografado”, que quase enlouquece Janete (esposa de Galvão e editora do livro) com mudanças constantes. “Eu só publicaria quando ele me desse o OK – coisa que sempre adiava”, lembra o escritor.
Numa escrita simples e direta, “João Gilberto, a Bossa” reconstrói a carreira do músico baiano através de relatos bem-humorados que revelam um gênio brincalhão que chamava maconha de Nelson e gostava de pregar peças nos amigos. Mostra ainda um João generoso.
Galvão conta, por exemplo, de quando João Gilberto ficou sabendo das dificuldades financeiras do percussionista Charles Negrita, e pediu que ele fosse a sua casa com uma sacola vazia. Chegando lá, João, que não era adepto a bancos e mantinha dinheiro vivo em casa, encheu a sacola de Negrita para que ele comprasse uma casa para a família. Outro dia encheu uma sacola de plástico para que o Galvão comprasse um carro para a esposa.
O escritor recrutou também um time de especialistas para analisar, de forma detalhada, a técnica instrumental e de voz de João Gilberto. Entre eles, alguns amigos pessoais, como Moraes Moreira e Paulinho Boca de Cantor, que também dão seus testemunhos. “João era muito reservado e cuidadoso com a sua privacidade. Várias pessoas se consideravam amigas por muitos anos sem nunca terem ido além do contato telefônico. Chegar perto de João era para poucos. Se chegassem perto, era por decisão e hora marcada por ele”, revela Galvão. (Com informações da Folhapress)
Serviço:
JOÃO GILBERTO, A BOSSA
Autor: Luiz Galvão
Editora: Lazuli
Quanto: R$ 34,90 (ebook); 244 págs.