Exlcusivo: De passagem por Fortaleza, Chico Diaz celebra personagens marcantes e defende difusão maior do cinema nacional

O ator Chico Diaz encerrou a 16ª edição do Festival de Teatro de Fortaleza, nesta sexta-feira (12) no Teatro São José, com o solo “A Lua Vem da Ásia”. Aos 66 anos, o intérprete reflete sobre maturidade, escolhas e a recusa a caber em estereótipos, em entrevista exclusiva ao Tapis Rouge, reafirmando sua trajetória como um artista inquieto e em constante reinvenção

Sâmya Mesquita
samyamesquita@ootimista.com.br

Fortaleza encerrou a 16ª edição do Festival de Teatro em grande estilo, nesta sexta-feira (12), com o Teatro São José tomado por um público ávido por cultura. O motivo era mais do que especial: a presença de Chico Diaz, um dos grandes intérpretes brasileiros, que levou ao palco o espetáculo “A Lua Vem da Ásia”. Inspirado no romance de Campos de Carvalho, de 1956, o espetáculo conduziu o público a um território ambíguo, entre o confinamento e a imaginação, mas, acima de tudo, reafirmou a inquietude criativa de um artista que não cansa de experimentar. “Eu tenho muito orgulho de trazer esse texto, porque ele questiona o que é estar livre ou aprisionado hoje. Estamos vivendo tempos surreais, e o teatro serve justamente para isso: nos colocar diante dessa perplexidade”, declara o artista em entrevista exclusiva ao Tapis Rouge.

Com mais de 40 anos de carreira e uma galeria de personagens que atravessam a história recente do cinema, do teatro e da televisão, Chico Diaz aprendeu a lidar com a densidade dramática sem deixar que ela invadisse sua vida pessoal. “A dramaticidade não é uma busca, é uma consequência. Eu tento impregnar cada personagem da realidade brasileira, das ruas, do momento histórico, dos movimentos do homem e da mulher no Brasil. Cada papel traz consigo uma singularidade, quase como uma doença, e a minha função é dar relevo a essa especificidade”, diz o ator, sob o sol escaldante e, ao mesmo tempo, acolhedor da Praia de Iracema.

Ao longo da trajetória, Chico se recusou a caber em estereótipos fáceis. No início, lembra que seu rosto latino o direcionava quase sempre a papéis de bandidos ou nordestinos migrantes. Porém, foi dizendo “não” a determinadas ofertas que encontrou caminhos mais amplos. “Com essa cara, eu só poderia ser bandido, ou rural, ou nordestino. Mas eu tenho horizontes maiores. Então precisei explodir essa caixinha, dizer não muitas vezes, e isso me deu acesso a outras instâncias poéticas. Em Portugal, por exemplo, me chamaram para viver Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa. No Brasil, talvez não tivesse essa oportunidade”, afirma.

A maturidade, aos 66 anos, também trouxe outra relação com a atuação. “Hoje, tenho maior perspicácia, maior atenção ao que realmente interessa expressar. A técnica nos protege e a gente não perde tempo com ruídos. A maturidade eleva a forma de ver a vida e os personagens. Dizem que não é o ator que escolhe o personagem, é o personagem que escolhe o ator. Se estivermos com uma alma bem resolvida, as escolhas vêm naturalmente”, reflete. Essa elevação vale não apenas para a atuação, mas para todas as formas de criação — tanto que encontrou na pintura um refúgio.

Diaz e o Ceará

A ligação de Chico Diaz com o Ceará é profunda e atravessa décadas de trabalho. Foi dirigido por Rosemberg Cariry em “Corisco e Dadá” (1996): experiência que, segundo ele, mudou sua carreira. “O Corisco foi um personagem que me qualificou como intérprete brasileiro. Eu saí do naturalismo para uma instância arquetípica, mergulhando no imaginário do Nordeste. Isso me colocou num nível que eu não achei que chegaria, e devo muito ao Rosemberg por isso”, diz, emocionado. Com Halder Gomes, viveu papéis marcantes em “Vermelho Monet” (2022) e “Cine Holliúdy” (2019), reafirmando o carinho pela produção cearense: “O cinema que se faz no Ceará é diferente, mas tão forte quanto o do Rio de Janeiro. Tenho muito orgulho de ser visto como um nordestino pelo cinema, porque o diploma de nordestino foi o cinema que me deu, e eu o guardo com muito orgulho”.

Mesmo em constante movimento, o artita não perde de vista os dilemas da produção nacional. Para ele, é preciso questionar os espaços que o cinema brasileiro ainda precisa alcançar, além do reconhecimento em festivais internacionais. “O nosso cinema é uma ferramenta de discussão da evolução cultural brasileira. Mas até que ponto conseguimos permitir ao povo brasileiro ver os filmes? O problema é que, enquanto três títulos circulam em festivais, a maior parte das obras fica inacessível. A contribuição deveria ser, antes de tudo, para o povo brasileiro, para que ele se reconheça na tela”, diz.

De cada papel, o ator carrega uma camada a mais de compreensão. Ele lembra figuras decisivas, como Múcio em “Os Matadores” (1997) e o médico Wellinton Kanibal, de “Amarelo Manga” (2002), entre muitos outros. E, pouco antes do almoço inadiável com Halder — sabe-se lá o que essas grandes mentes artísticas maquinaram, durante essa refeição — ele confidencia: “Eles foram personagens que me confirmaram que eu estava no caminho certo. Eu conheci o Brasil através dos personagens. Já completei quase todas as geografias brasileiras nesse percurso, e sou muito agradecido por isso. Cada diretor que acreditou em mim deixou uma marca. A minha carreira foi muito favorecida, e tento retribuir com sensibilidade e inteligência a cada papel”.

Como espectadora de uma noite que marcou o Teatro São José, é possível dizer que Chico Diaz não entregou apenas um espetáculo, mas, sim, a síntese de uma vida dedicada à arte, em constante reinvenção. Uma carreira que, mesmo repleta de premiações, não se mede por números, mas pela capacidade de provocar reflexões profundas, que sai da zona de conforto e mostram um certo encantamento surrealista. E uma coisa é certa: ainda há muito de Chico Diaz para ser visto por aí!

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