Elza Soares: “Esperança é tudo o que quero”

A cantora Elza Soares apresenta a turnê Planeta Fome neste sábado (23), no Aterro da Praia de Iracema. Em entrevista exclusiva, ela fala sobre o novo álbum, sobre dar voz às mulheres e às minorias e das mazelas do Brasil. “Se não tiver esperança, o que será de nós? O que será do Brasil?”, questiona

Naara Vale
naaravale@ootimista.com.br

Nem oito décadas, nem as armadilhas da vida, nem as tortuosas cirurgias na coluna. Não foi a fome nem serão os preconceitos e desigualdades que farão Elza Soares se calar. Pelo contrário. Isso sempre foi e tem sido, cada vez mais, combustível para sua voz. No 34º disco de sua carreira, “Planeta Fome”, lançado em setembro, Elza novamente faz ecoar a voz de milhares de famintos que, como ela descreve e se inclui, estão com fome de cultura, de dignidade, de respeito.

É a turnê desse manifesto musical que ela apresenta logo mais, no Aterro da Praia de Iracema. O show é aberto ao público e integra a programação da segunda edição do Festival Elos, que amanhã (24) traz a Fortaleza a cantora Vanessa Da Mata. A programação musical neste sábado e domingo tem início às 17h, com diversas atrações. O evento engloba ainda ações nas áreas do esporte, teatro, dança, artes visuais e artesanato.

Em conversa por telefone, Elza Soares falou ao O Otimista sobre o novo álbum, sobre a vontade de, cada vez mais, usar a sua música para dar voz às mulheres, a negros, a famintos do seu planeta fome. Recuperando-se de duas cirurgias na coluna, Elza tem se apresentado sentada em um belo trono que lhe cabe perfeitamente. “Essa minha retomada forte de não ficar calada me fez muito bem”, comemora. Elza jamais vai sucumbir.

O Otimista – Seu trabalho está sempre e, cada vez mais, dando voz às minorias, a oprimidos, aos famintos e, ao mesmo tempo com uma estética bem moderna, que dialoga com a nova geração de músicos e compositores. Como é o processo de pesquisa e construção dos seus discos e a escolha do repertório dos seus shows?

Elza Soares –Deixa eu te contar. Eu tenho 84 apresentações de discos, não são quatro, mas essa minha retomada forte de não ficar calada me fez muito bem. Você vê que eu fiz uma biografia, fiz “A mulher do fim do mundo”, “Deus é mulher” e agora “Planeta Fome”. Cara, pra mim está sendo muito bom, eu posso falar com todo mundo, falar tudo o que eu quero e desejo falar.

O Otimista – E como é o processo de pesquisa para construir os discos? Você mesma que vai atrás?

Elza –Eu vou na pesquisa e encontro, aponto, gosto e é isso. Tenho dois grandes empresários comigo, o Pedro Loureiro e o Juliano Almeida. A gente sempre está muito junto, conversa muito, então, isso facilita muito o trabalho.

O Otimista – Você vem de dois discos de muito sucesso, A mulher do fim do mundo (2015) e o Deus é mulher (2018). Como está sendo a receptividade do público com o Planeta Fome?

Elza –Ma-ra-vi-lho-sa. Está sendo um trabalho de respostas positivas.

O Otimista – O Planeta Fomefala muito das mazelas do Brasil, mas também dá um sopro de esperança para as futuras gerações

Elza –Tem que ter esperança, pelo amor de Deus. Se não tiver esperança, o que será de nós? O que será do Brasil? Esperança, por favor! Esperança é tudo o que eu quero.

O Otimista – Mas podemos ter esperanças de fato em um país melhor? Como você tem visto a situação atual?

Elza –O Brasil está gripado, está muito gripado. Mas tem jeito e vai melhorar.

O Otimista – Mas o que seria essa gripe?

Elza –É uma gripe que tem que ter cuidado para não virar pneumonia, só isso. Xarope pra ele. Já vi situações difíceis nesse país, já vi e passou. Isso vai passar também.

O Otimista – Neste disco você canta que a carne negra não está mais de graça. O que quer dizer com isso?

Elza –Deixou der ser de graça, o que não valia nada agora vale uma tonelada. Que eu não valia nada, agora estou valendo uma tonelada.

O Otimista – A que você atribui isso?

Elza –Valorização da raça negra maravilhosa. Esse país tem branco, por acaso? Eu canto para o país.

O Otimista – Você acredita que houve uma diminuição do racismo no Brasil? O negro tem mais voz?

Elza –O negro fala mais hoje, negro já está falando. Negro é a maioria. Eu trabalho muito com as mulheres, minha preocupação também são as mulheres e eu grito muito “mulheres unidas jamais serão vencidas”, cito muito nos shows e peço a participação delas nos shows. Maria da Vila Matilde está sempre presente.

O Otimista – Hoje você é considerada um símbolo do movimento feminista, especialmente das mulheres negras. Você se considera uma feminista? O que é ser feminista para você?

Elza –Eu me considero uma mulher que grita, que luta. Desde criança eu venho buscando um espaço para dizer “chega de sofrimento, mulher”. Minha mãe já me deu a oportunidade de falar isso. E quando eu falo em mulher, não são só as negras, são todas.

O Otimista – O que mudou daquela Elza que conheceu a fome e hoje fala sobre e luta contra a fome de outros?

Elza –Mudou que hoje eu posso comer carne, batata, feijão, arroz se quiser, mas aumentou a fome porque vejo o aumento da fome da saúde, do respeito, a fome da cultura. Eu vejo a fome dos professores. A fome está aumentando cada vez mais. Penso que muda, mas eu vejo tanta fome ainda…

O Otimista – Você já passou por muita coisa na vida pessoal e na carreira, já passou por inúmeros altos e baixos e hoje é considerada uma das melhores cantoras do mundo, inclusive, a cantora do milênio. Coroada a nossa rainha. Como você enxerga este momento da sua carreira?

Elza –Dou graças a Deus por ter me escutado. Desde menininha eu buscava um lugar para gritar, para falar… Por que eu tenho que carregar tanta lata d’água na cabeça, meu Deus? Por que eu tenho que passar tanta fome? Por que minha mãe sofre tanto, meu Deus? Só que eu já estava coroada com a lata d’água e não sabia. Agora sei que tudo valeu a pena.

O Otimista – Seus últimos trabalhos fizeram uma ruptura com o samba, um dos gêneros que mais levou sua voz ao mundo. Foi um processo natural? Foi escolha sua?

Elza – Foi um processo natural. Quando eu comecei a cantar, eu não queria rótulo de nada, não sou refrigerante para ser rotulada. Eu cantava samba, mas cantava Caetano, João Bosco, sempre tive uma mistura. Adoro blues, jazz, já substitui a Ella Fitzgerald, já cantei com o Louis Amstrong. Rótulo pra mim é uma coisa muito feia.

O Otimista – Até quando sua voz estará ecoando para a gente? Você pensa em parar um dia?

Elza –  O que é isso? Quem sou eu para pensar em parar? Deus é quem sabe!

Serviço:
Festival Elos – Ações que transformam
Shows de Elza Soares hoje (23), a partir das 18h; e Vanessa da Mata amanhã (24), a partir das 17h.
Onde:Aterro da Praia de Iracema
Gratuito
Programação completa em www.festivalelos.com.br

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