Com poesia e vigor, a EDISCA traz de volta aos palcos o espetáculo “Koi-Guera”, 27 anos após a primeira montagem. A obra, que retorna em temporada única no Cineteatro São Luiz, de quinta (2) a domingo (5), reafirma a resistência dos povos originários e renova sua força em um elenco jovem, que atualiza gestos e sentidos sem perder a essência da criação original
Sâmya Mesquita
samyamesquita@ootimista.com.br
Vinte e sete anos separam a primeira montagem de “Koi-Guera” da nova temporada que ocupa o Cineteatro São Luiz, em Fortaleza, de amanhã (2) a domingo (5). Mas, ao assistir ao espetáculo, o público logo percebe que a distância do tempo é apenas aparente. A coreografia que fala sobre a resistência dos povos originários retorna como se nunca tivesse saído do palco — justamente porque essa mensagem ainda soa necessária.
O gatilho para a remontagem veio de um acontecimento recente. “As imagens da condição dos Yanomami, em estado de desnutrição extrema e abandono, falaram para o planeta. Foi impossível não pensar em como estamos tratando nossos pais e mães ancestrais de forma negligente. Achei oportuno trazer novamente ‘Koi-Guera’ para provocar no espectador uma reflexão sobre a nossa postura na Terra”, explica Dora Andrade, fundadora e coreógrafa da EDISCA.
Revisitar uma obra que marcou a história da instituição, no entanto, exige escolhas delicadas. Como conciliar a fidelidade ao espetáculo de 1997 com a energia de um elenco formado por novos corpos, novas sensibilidades e outras urgências históricas? “Após 27 anos, ao olhar para ‘Koi-Guera’, percebo que talvez coreografasse algumas cenas de forma diferente. Mas manter a integridade da obra era fundamental. Ela continua fresca, reveladora e em pleno diálogo com o presente”, diz a idealizadora da instituição. O resultado preserva as coreografias, cenários e trilhas sonoras originais, mas se renova no olhar da juventude que agora interpreta cada gesto.
O espetáculo reconstrói a trajetória dos povos originários em dois movimentos. Primeiro, celebra a relação harmônica entre comunidades indígenas e a natureza, marcada por gestos de integração com a floresta, a água e os ciclos vitais. Depois, introduz a chegada do colonizador, a invasão, a perda de línguas e territórios, o etnocídio. “O espetáculo deixa claro a importância da preservação desses povos e de sua cultura. Se a gente perde esse elo, nos perdemos com nós mesmos”, resume Dora. Assim, o palco se torna espaço de denúncia, mas também de memória e pertencimento.
Arte como revolução
Não é a primeira vez que a EDISCA se dedica a transformar a arte em ferramenta de reflexão social. Desde sua criação, a instituição constrói espetáculos que ultrapassam o entretenimento e convidam o público a se posicionar diante de questões contemporâneas. “A EDISCA sempre trouxe à cena temas ligados às minorias e à ecologia. Nossa tarefa como artistas é denunciar ou provocar reflexão sobre as questões mais relevantes do nosso tempo. ‘Koi-Guera’ trata do etnocídio indígena, uma questão dolorosamente atual”, afirma ainda Dora.
O processo criativo, como de costume na EDISCA, foi também pedagógico. Os jovens bailarinos não apenas ensaiaram passos, mas participaram de rodas de conversa, viram documentários e realizaram pesquisas sobre a realidade indígena: “Essas etapas equivalem a verdadeiras aulas. A dimensão reflexiva que envolve a criação artística talvez seja a marca mais forte da EDISCA e o que mais contribui para a formação de futuros criadores”. A obra, assim, se torna espaço de aprendizagem coletiva, como testemunho de uma instituição que há décadas alia dança, educação e impacto social.
No fim, “Koi-Guera” é tão sobre o público quanto sobre seus intérpretes. “Mais de 40 meninos e meninas tiveram um crescimento técnico, interpretativo e, sobretudo, humano durante a construção da obra. Agora é a hora de compartilhar esse resultado, de entregar ao público e ver se conseguimos emocionar, gerar reflexão e, quem sabe, até inspirar ação”, explica a coreógrafa. Ao atravessar gerações e se refazer em novos corpos, o espetáculo reafirma que a arte não apenas sobrevive ao tempo: ela se reinventa, ecoa e insiste.
serviço
Espetáculo Koi-Guera
Sessões nesta quinta (2) e sexta (3),às 19h; sábado (4) às 16h e 19h; e domingo (5), às 16h e 18h
No Cineteatro São Luiz (Rua Major Facundo, 500, Centro)
Ingressos no Sympla com valores entre R$ 25 e R$ 50, mais taxas