Documentário “Maria – Ninguém sabe quem sou eu” se debruça sobre a vida e a carreira de Maria Bethânia

Émerson Maranhão
emerson@ootimista.com.br

Maria Bethânia Viana Teles Veloso. A caçula dos oito filhos de Dona Canô e Seu Zeca. A adolescente que deixou a pequena Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, para impressionar o País com sua intepretação visceral de Carcará. A cantora que se tornou um fenômeno de venda de discos, ainda no final da década de 1970. A voz que embalou amantes noites adentro nos anos seguintes com canções que se tornaram clássicos românticos. A intérprete que criou dramaturgia própria ao misturar teatro, música e literatura em seus shows. A devota de Nossa Senhora, que se encantou com os orixás pelas mãos de Mãe Menininha do Gantois. A Menina dos Olhos de Oyá. A musa que recusa qualquer possibilidade de definição.

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Cartaz do documentário “Maria – Ninguém sabe quem sou eu”

Decifrar essa verdadeira força da natureza é o desafio a que se propõe o documentário Maria – Ninguém sabe quem sou eu, que estreia em circuito comercial nas salas de cinema na próxima quinta-feira, dia 1º de setembro. O filme tem direção e roteiro assinados por Carlos Jardim, também jornalista e um fã assumido da cantora, e delega a hercúlea missão à própria Bethânia. É ela a única a falar sobre si mesma durante os 100 minutos de duração do longa. A mais ninguém cabe tentar desvendá-la, se não a ela mesma. O inédito e exclusivo depoimento foi captado no teatro do Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. 

As falas são entrecortadas por imagens raras garimpadas em arquivos de TV, como ensaios do show antológico que Bethânia e Chico Buarque fizeram em 1975, e do espetáculo que a cantora e o irmão, Caetano Veloso, realizaram em 1978. Há ainda registros de A hora da estrela, de 1984, baseado na obra de Clarice Lispector.

Mas não só. Como se fosse possível, ainda, uma cereja do bolo, o filme conta com a participação especialíssima da atriz Fernanda Montenegro, que narra cinco textos sobre Bethânia, ilustrados com imagens registradas por fãs-fotógrafos da cantora. A própria imagem que ilustra o pôster do filme, aliás, é resultante desta minuciosa pesquisa realizada pelo diretor nas redes sociais de fã-clubes. Com assinatura de Ferreira Gullar, Nelson Motta, Fauzi Arap, Caio Fernando Abreu e Reynaldo Jardim, os escritos servem de possibilidade de mapa para auxiliar o espectador a rastrear caminhos nesta jornada em busca de uma tradução da diva.

E ainda que Maria Bethânia abra seu coração e mente para as lentes de Jardim, falando de temas como sua ligação com seus pais; a relação com o irmão mais famoso, responsável por lhe dar o nome e o norte na vida; a importância da literatura em seu trabalho; os autores preferidos (Clarice e Pessoa no topo da lista); a profunda fé no Candomblé e em Nossa Senhora da Purificação; a sensação que se tem, findo o filme, é que o mistério de que a musa é feita é inalcançável.

Como numa releitura da mitológica Esfinge de Tebas, Bethânia permite que a decifrem para que possa nos devorar a todos, posto que este escriba também é devoto declarado, e de primeira hora!, de seu talento e encanto. Ao ousarmos adentrar os mistérios de sua natureza, proposta irrecusável feita pelo filme, terminamos por entender que é presunção demais querer descobri-la. 

Na verdade, a cartografia que nos é permitida acessar só leva a caminhos que mais confundem que esclarecem. Porque no fundo, sabemos, é disso que é feito o fascínio, do que é impossível de se aperceber de todo; do que apenas se insinua, nunca se mostra; do que nos convida ao sonho e se nega à realidade da vigília.

Ao subir os créditos, parece que Bethânia nos sorri e sussurra os lindos versos da canção Imitação, do baiano Batatinha, de onde sabiamente foi tirado o título do documentário. “Ninguém sabe quem sou eu, também já não sei quem sou (…) Na imitação da vida, ninguém vai me superar”.

Confira o trailer aqui

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