Dora Andrade, Celina Hissa e Ângela Gutiérrez. Três mulheres que abrem caminhos e possibilidades na vida de tantas outras mulheres com o seu fazer diário nas artes. Conheça um pouco de cada uma delas
Texto: Naara Vale
naaravale@ootimista.com.br
Fotos: Beatriz Bley e Edimar Soares
Elas múltiplas, são muitas e representam tantas outras. Dora Andrade, Celina Hissa e Ângela Gutiérrez. Uma na dança, a outra na moda, a terceira na literatura. Três trajetórias completamente diferentes. Três mulheres que quebram barreiras, abrem caminhos e possibilidades na vida de tantas outras mulheres com o seu fazer diário. No especial de Dia da Mulher, celebrado neste domingo (8 de março), O Otimista conta a trajetória de três mulheres que são referência na sua área de atuação e contribuem para o fortalecimento das artes no Ceará.

DORA ANDRADE
“Eu não construo espetáculos para entretenimento”
Uma vida pautada pelo desafio de dar visibilidade a crianças e jovens da periferia. Um cotidiano dedicado a quebrar paradigmas e a construir pontes de esperança entre um presente de lacunas e um futuro possível, com mais respeito e reconhecimento. Há quase 30 anos, a coreógrafa Dora Andrade fundou a Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca) para mudar realidades. Hoje o projeto atende cerca de 300 jovens, dos quais, 68% vivem abaixo da linha da pobreza.
Longe de ser uma escola de dança, o projeto é, para a coreógrafa, “um milagre na Terra, uma utopia necessária”. “É escola que prova cotidianamente que os pobres têm extremo valor, que quebra paradigmas inimagináveis”, diz Dora Andrade. A comprovação mais óbvia disso, ela consegue através dos espetáculos de dança que monta. “A gente consegue gerar um olhar para as circunstâncias de pobreza, para os filhos dos pobres e as pessoas passam a vê-los com muito mais valor”, comemora. “Uma coisa que eu costumo falar é que, enquanto coreógrafa, eu não construo espetáculos para entretenimento”, pontua.
Com prêmios, diplomas e certificados no currículo, ela aponta a construção da sede no bairro Água Fria, como um dos seus grandes feitos à frente do projeto, embora prefira celebrar os pequenos feitos cotidianos. “Me disciplinei a valorizar e a tirar energia de coisas fundamentais para seguir – porque não é fácil estar há quase 30 anos na área social, eu me sinto há quase 30 anos em campanha. Me alimento dos pequenos nadas”.
O Otimista – O que você acha que representa na vida dessas meninas que passam pela Edisca?
Dora Andrade – Talvez a maior substância que a Edisca ou os espetáculos da Edisca têm são tornar visível a riqueza dos pobres. Tenho muita convicção de que todas as vezes que a gente entra em temporada, a gente toca de uma forma sensível os espectadores e eles começam a ver que aqueles meninos que estão ali no palco – considerando um país e uma sociedade onde uma significativa parte dela vê os pobres como problema, vê a favela como um espaço de delinquência ou que abriga delinquentes – eu penso que, através desses espetáculos, a gente consegue gerar um olhar para as circunstância de pobreza, para os filhos dos pobres e as pessoas passam a vê-los com muito mais valor. Uma coisa que eu costumo falar enquanto coreógrafa é que eu não construo espetáculos para entretenimento. Quem acompanha a trajetória da Edisca sabe que todos os espetáculos que nós fizemos, eles trazem algum nível de reflexão.
O Otimista – Mas o que você acha que representa para as meninas?
Dora – Não sei o que eu represento para elas, eu sei o que elas representam para mim. Elas representam o maior exemplo de força, de luta. Eu vejo o nível de resiliência dessas mulheres mães dessas meninas, dessas crianças e, pra mim, é profundamente inspirador. Eu acho que, enquanto artista, me sinto instrumento, aprendiz e espero merecer a confiança dessas pessoas e ter competência para, nos momentos em que eu tenha condição para construir, para denunciar, para trazer luz para essas questões, para essas causas, para essas minorias, para esse povo, tao sofrifo, que o meu talento possa ser útil. Então, eu me vejo mais ou menos como alguém que peleja feito uma doida para tonar visível o imenso capital social.
O Otimista – Com tantos prêmios, diplomas e troféus, o que você acredita que tenha sido o seu maior feito nesses anos todos à frente da Edisca?
Dora – Eu me sinto extremamente honrada com esses prêmios, mas acredito mais em pequenos feitos. Até acho que foi um grande feito ter construído essa sede, um projeto social numa área nobre, de uma forma profissional. Foi muito importante porque foi uma quebra de paradigma inspiradora para várias organizações. Não é que eu não valorize algumas coisas que foram maiores, mas elas não acontecem sempre, então, geraria uma frustração imensa e talvez me desse desânimo. Então, me disciplinei a celebrar e a valorizar e tirar energia fundamental para seguir. Porque não é fácil estar há quase 30 anos na área social, eu me sinto há quase 30 anos em campanha, me alimento muito dos pequenos nadas.
O Otimista – O que te motiva a seguir em frente com o projeto da Edisca, mesmo diante de uma rotina bem puxada, de tantas dificuldades que sempre aparecem num projeto desse porte?
Dora – Primeiro, eu gosto muito do que eu faço. Eu estava assistindo uma palestra e falava que a coisa mais importante na existência de uma pessoa era encontrar o porquê de ter vindo ao mundo. Encontrar esse caminho já é um feito extraordinário e trilhar esse caminho, se aproximar desse ideal, é a coisa que faz um bem imenso. Então, eu me sinto absolutamente agraciada pela vida. A luta é grande mesmo e, às vezes, eu perco a paciência, eu perco a força, mas é a boa luta. Ela não cansa, todo dia parece que a luta em si te faz seguir.
O Otimista – A Edisca é uma escola de dança, uma escola de artes?
Dora – Alguém que falar que a Edisca é uma escola de dança cometeu um reducionismo imperdoável. Eu acho a Edisca, sinceramente, um milagre na terra, uma utopia necessária. A Edisca é uma escola de formar cidadãos, de formar pessoas sensíveis, éticas. Uma escola que prova cotidianamente que os pobres têm extremo valor, que quebra paradigmas inimagináveis, que é profundamente pouco compreendida por essa sociedade. Eu optei por trabalhar com os filhos dos mais pobres. Hoje, 68% das crianças adolescentes e jovens atendidos por nós estão abaixo da linha de pobreza. São pessoas que não acessam sequer três refeições por dia. Eu acho que, para um interlocutor intermediário, mesmo que não seja vocacionado para o social, reflita sobre a questão de pobreza, para questão de insegurança alimentar do nosso povo, é um dado contundente, ele resume um monte de cosa. Então, se eu trabalho com um povo que não acessa nem três refeições, você imagina o tanto de direitos que já foram negados para essas outras pessoas? Quantas lacunas não existem na vida desses jovens? Como muito esforço, muita amizade, aos trancos e barrancos a gente vai tentando responder a essas lacunas com programas oficiais, reais, validados. Talvez as pessoas percebam a Edisca de forma equivocada porque eu sempre tive muito esmero com a estética, com a qualidade, com o padrão, com o conceitual e isso é visto como uma sofisticação, como uma coisa muito distante dos pobres.

CELINA HISSA
Vidas ressignificadas fio-a-fio
Sabe aquela história de reinventar a roda? É isso que a designer cearense Celina Hissa vem fazendo há 14 anos à frente da marca Catarina Mina. A partir do artesanato feito por mulheres, ela (e sua equipe para lá de afinada) reinventou vidas, deu novos sentidos ao ato de consumir moda, fez o crochê do Ceará circular pelas mais importantes feiras de modas do mundo através de bolsas que, para além de beleza, carregam histórias.
A marca Catarina Mina nasceu da vontade de Celina trabalhar o design e a criatividade com algum propósito. A riqueza do artesanato cearense e a disponibilidade das artesãs abriram caminhos para o início de uma rede que já soma mais de 200 mulheres, entre crocheteiras, rendeiras, trançadoras de palhas, costureiras e tantas outras. Os produtos finais, dos quais os mais conhecidos são as bolsas de crochê, carregam a história e a valorização do trabalho de cada uma delas e chegam ao mercado como uma possibilidade de transformação, tanto da vida de quem fez, quanto de quem está escolhendo consumi-los.
“A gente acha que quem está lá na ponta, o consumidor final, tem que estar cada vez mais olhando para quem produz. Se você não olha para a cadeia que você está incentivando, você não olha para o mundo que está construindo. Cada pequena decisão de consumo é também um tipo de aposta num tipo de mundo que está por trás”, define a designer.
É um trabalho de formiguinha que já trouxe para dezenas de mulheres a possibilidade de ter uma renda trabalhando com o que sabe e gosta, dentro da própria casa. Para a Catarina Mina, reconhecimentos como o prêmio Vogue Brasil /Ecoera, em 2015, e o Brasil Criativo, da 3M, em 2016.
Além disso, despertou também a vontade de seguir desafiando o mercado pautado pelo consumo desenfreado e espalhando o modo Catarina Mina de vivenciar a moda. “A nossa vontade é, muito mais do que seguir como uma marca cada vez maior, é seguir compartilhando esses modelos com outros grupos. A metodologia é uma conversa sincera, de transparência, de valorizar quem faz, mas também de entender a importância do consumidor”, planeja Celina.
O Otimista – O que te motivou a trabalhar a moda para além da simples criação de peças?
Celina Hissa – A minha intenção sempre foi trabalhar com design com algum tipo de entrega para o mundo, entendendo o design e a criatividade como uma ferramenta para construir outras realidades mais inspiradoras. Trabalhar com algum tipo de propósito, não só produzindo mais uma coisa para o mundo. É isso que me leva estar na moda trabalhando dessa forma. Eu nem entendo moda, eu entendo como design, um espaço de criatividade no qual a gente pode estar contribuindo com algo mais relevante para a sociedade.
O Otimista – E como surgiu a história de trabalhar com as artesãs?
Celina – Foi meio por acaso. Eu trabalhava com publicidade, como diretora de arte, e lá você cria para qualquer cliente e eu comecei a me questionar. Eu sempre gostei de criar produtos, sair um pouco da parte só do computador. Ai eu comecei fazendo stands e o artesanato aqui em fortaleza, no Ceará, é muito tico. A oportunidade de você encontrar artesãs, encontrar algo que pode ser muito potencializado num fazer tradicional e que, com uma pequena alteração de material e com um pequeno insight criativo, você pode criar uma coisa com um valor agregado bem maior… E aí eu chego no artesanato por essa proximidade, pela realidade do Ceará que tem várias tipologias artesanais, pela abertura de todas as artesãs que participam desses processos. Os encontros, as pessoas que tiveram nesse caminho foram muito importantes para que o artesanato fosse o lugar de criação para eu trabalhar até hoje.
O Otimista – Quais são os maiores desafios em trabalhar a moda de forma artesanal, sustentável e olhando muito mais para quem produz cada peça?
Celina – É o desafio do mercado porque a gente sabe que vive num sistema capitalista de produção, de produtividade, de industrialização, de um ritmo onde os concorrentes que não trabalham com essa metodologia, esse tipo de pensamento, possuem vários tipos de vantagens. O mercado capitalista como ele se constrói dificulta para quem está reinventando esses modos de fazer, porque, de alguma forma, quando a gente fala ‘trabalhar com oferta e procura’, a gente está falando em sempre apertar a mão-de-obra, a pagar menos. E a gente [Catarina Mina] se propõe exatamente a valorizar quem faz. Então, estamos propondo uma coisa que é um pouco diferente, mas que é super relevante. A gente acha que quem está lá na ponta, o consumidor final, tem que estar cada vez mais olhando para quem produz porque a gente consome todo dia, então, se você não olha para a cadeia que você está incentivando, você não olha para o mundo que está construindo. Cada pequena decisão de consumo é também um tipo de aposta num tipo de mundo que está por trás. O maior desafio para gente é conseguir, junto com outras pessoas que também estão nesse movimento, conscientizar o consumidor da relevância que é se importar não só com o preço final e a imagem final do produto na prateleira, mas que outras coisas contam na hora da escolha.
O Otimista – O que você acredita que o consumidor da Catarina Mina está levando para casa ao comprar uma bolsa, por exemplo?
Celina – Na nossa etiqueta, a gente brinca muito: carregue essa história no ombro. E também: tão bonita quanto essa bolsa, é a história que ela carrega. A gente acha que a bolsa tem que ser extremamente bonita, tem que ser bem acabada, tem que ter um design, tem que ter um material de qualidade. Isso é superimportante porque a gente não quer que seja usada apenas uma vez. Então, é importante que seja atemporal, que dure. Tudo isso também impacta. O produto tem que ser muito usado porque é menos lixo para o mundo. Além de tudo isso, ele tem que ter uma boa história por trás: quem está fazendo aquela bolsa são mulheres, elas estão muitas vezes mantendo tradições culturais que são importantes para a gente. Um grupo que trabalha com bilro, que trabalha com labirinto… O que vai fazer essas mulheres continuarem passando esse fazer de mão em mão? É essa decisão.
O Otimista – Qual transformação a Catarina Mina tem levado à vida das dezenas de artesãs que hoje trabalham com a marca?
Celina – A gente tem visto impacto, tanto financeiro, quanto na autoestima. O artesanato é um fazer feito por mulheres, elas trabalham em casa, têm uma renda sem precisar abandonar seus filhos, trabalham em horários variados, têm tempo de cuidar de algumas tarefas domésticas. Vemos que isso é muito importante na realidade da mulher do Nordeste. Tem história de mulheres que sofriam violência doméstica e conseguiram sair de casa porque tiveram essa autonomia financeira a partir da Catarina Mina. Em 2015, teve a Oficina Fia em Aracatiaçu, no distrito de Sobral, numa das maiores secas do Ceará. Com a renda de uma venda por lote que durou um mês, elas conseguiram ganhar com o artesanato e conseguiram se sustentar com uma renda que, às vezes, era só da pesca do açude de Tilápia que a seca não estava permitindo.
O Otimista – Qual o seu sentimento hoje em relação à marca que você criou há 14 anos, com um grupo de 4 pessoas e hoje abriga dezenas de mulheres e está em diversos países?
Celina – É como se a gente tivesse chegado num lugar em que a gente mostrou que é possível fazer diferente, com essa metodologia de trabalho. Mas aí a gente olha para frente com o desafio de fazer ainda mais.
O Otimista – Como você imagina ou gostaria que estivesse a Catarina Mina daqui a 10 anos?
Celina – A vontade é que ela siga forte, que essa ideia continue sendo abraçada por cada vez mais pessoas e que a gente consiga multiplicar, tanto em metodologia, como em impacto e como em forma de trabalho. A gente começou a entender que era muito mais que uma marca e que podia compartilhar esse modo de trabalho com outros grupos artesanais, que é o que chamamos de Oficinas Catarina Mina. Teve o projeto Fia Oficina, o Ará, o Olê Rendeiras, que são da Catarina Mina… Mas a gente pensa que pode emprestar o que tem de melhor que é esse olhar de design, da articulação para esses grupos, compartilhar isso e que eles sigam também independentes, com essa mesma força, apostando nessa metodologia de trabalho, e contando sempre com a gente. A nossa vontade é muito mais do que seguir como uma marca cada vez maior, é seguir compartilhando esses modelos com outros grupos.

ÂNGELA GUTIERREZ
Pioneirismo na literatura
O que para a escritora Ângela Gutiérrez parecia ser um passo natural na sua trajetória, virou notícia nacional. Em 2019, ela se tronou a primeira mulher a presidir a Academia Cearense de Letras, fundada por seu bisavô, Tomás Pompeu, em 1894. “Só tive plena consciência do quanto minha posse como presidente da mais antiga academia de letras do Brasil representava na luta feminina por igualdade de direitos e respeito ao gênero pelo impacto que o acontecimento causou. Para mim, é a continuidade de uma missão que cumpro com amor e entusiasmo”, conta a escritora, que integra a instituição desde 1997.
Influenciada pelo pai, Luciano Cavalcante Mota, desde cedo a escritora Ângela Gutiérrez teve uma relação próxima com as artes. Formada em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC), dedicou boa parte da sua vida profissional à instituição. À frente do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da UFC, reabriu as salas de exposição de Raimundo Cela e de Antônio Bandeira (fechadas por mais de 20 anos), criou uma sala dedicada a Descartes Gadelha no Museu de Arte da UFC (MAUC) e reestruturou a Casa de José de Alencar. A contribuição ao longo dos anos rendeu-lhe, em 2019, o título de Professora Emérita da UFC, a mais alta comenda da instituição.
Entre diversos prêmios, homenagens e comendas, para ela, o que espera ter deixado de legado aos alunos após os anos docência é o espírito crítico. “Todos nós, brasileiros, somos construtores de nosso país e a literatura nos mostra caminhos para participarmos nessa construção enquanto nosso espírito crítico nos permite examinar se nosso país está sendo construído dentro de princípios democráticos que deveriam norteá-lo”, analisa.
O Otimista – A senhora é a primeira mulher a presidir a ACL. O que a senhora acha que isso representa para a literatura cearense? É um novo momento para a Academia?
Ângela Gutiérrez – A presença da mulher na Academia Cearense de Letras foi uma conquista que começou com a corajosa Alba Valdez, primeira a entrar na instituição. Teria muito o que dizer sobre essa admirável jornalista, escritora e professora. Em meu caso, ser eleita presidente da Academia pareceu-me apenas um passo a mais em minha missão dentro da instituição, pois fui Diretora Cultural, a primeira, durante doze anos, em seguida, vice-presidente, também a primeira, e, logo depois, presidente. Só tive plena consciência do quanto minha posse como presidente da mais antiga academia de letras do Brasil representava na luta feminina por igualdade de direitos e respeito ao gênero pelo impacto que o acontecimento causou. Certamente, será considerado pela História da Academia um momento-marco, mas, para mim, é a continuidade de uma missão que cumpro com amor e entusiasmo.
O Otimista – Fala-se muito que a docência é uma troca de aprendizado entre professor e aluno. O que a senhora acha que aprendeu nesses anos todos de docência?
Ângela – Sim, sempre considerei que o magistério se faz considerando que o aluno é sujeito de sua aprendizagem e que é imprescindível respeitá-lo e estimulá-lo ao diálogo, à reflexão, ao desenvolvimento de seu espírito crítico. Em minha dissertação de Mestrado, “O Caráter Reprodutor do Ensino de Literatura nos Cursos de Letras”, examinei cuidadosamente a questão, estabelecendo, para efeito de comparação, o modelo de ensino reprodutor e o de criador. Este incentivaria a consciência crítica, a contextualização da literatura dentro da história, relacionando-a a outras artes, para além da mera transmissão de dados, fatos, nomes que caracterizaria o ensino reprodutor. Aprendi que é verdadeira uma frase de Guimarães Rosa, pela voz de Riobaldo, ao dizer que “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”.
O Otimista – E o que acha que ensinou de mais importante para os seus alunos?
Ângela – Espero ter incentivado o espírito crítico do aluno para que tenha consciência de que, ao aprender sobre literatura, está aprendendo sobre si mesmo, sobre o professor que um dia será e sobre seu papel como cidadão de seu país e do mundo. Todos nós, brasileiros, somos construtores de nosso país e a literatura nos mostra caminhos para participarmos nessa construção enquanto nosso espírito crítico nos permite examinar se nosso país está sendo construído dentro de princípios democráticos que deveriam norteá-lo.
O Otimista – A senhora esteve na UFC durante quase toda a sua trajetória profissional. O que a senhora apontaria como seu maior legado para a Universidade e, consequentemente, para a sociedade cearense?
Ângela – Não sei se posso falar em legado, vejo-me como alguém que está ainda aprendendo, mas direi que, em toda minha vida na Universidade, dediquei-me a cumprir cada missão que assumia por nela acreditar, esforçando-me para realizá-la da melhor maneira que me era possível. Às vezes, tentei ir além e fazer o impossível, o que não aconselho a ninguém, porque devemos conhecer nossos limites humanos.
O Otimista – Também dentro da UFC, a senhora se empenhou em reabrir salas de exposição Museu de Arte da UFC (MAUC), também trabalhou no resgate da Casa de José de Alencar… De onde vem sua relação tão próxima e apaixonada pelas artes?
Ângela – A Arte sempre me fascinou, da pintura à fotografia e ao cinema, da música à dança, da escultura à arquitetura, aliás, revelo que, na adolescência, cheguei a pensar em ser arquiteta, mas acho que a literatura sempre foi mesmo minha vocação, meu chamado com ressonância mais profunda. Meu pai, Luciano Cavalcante Mota, grande apreciador de literatura e de outras artes, levou-me à descoberta de cada uma das artes, especialmente da literatura, incentivando-me a ler desde criança. Com ele assistia a bons filmes e os comentávamos, em casa ouvia boa música, de Mozart a Jazz, de Bach a Bossa-nova… e escutava embevecida as canções antigas que Papai cantava acompanhado de seu afinado violão… Quando o Reitor René Barreira me confiou a missão de fundar o Instituto de Cultura e Arte-ICA, assumi essa fascinação e busquei retomar a grande abertura da Universidade para as artes que nosso Reitor-Fundador, Prof. Antônio Martins Filho, iniciara. A Casa de José de Alencar constituiu uma de minhas primeiras preocupações ao assumir o ICA. Foi preciso primeiro cuidar da infraestrutura com graves problemas, para depois iniciar a reorganização dos museus, da biblioteca, das salas de pintura, criar projetos de Bolsa-Arte e Bolsa-Pesquisa, iniciar as atividades culturais, enfim, recriar o sopro de vida que a Casa perdera.






















