Reflexões sobre a carreira, a cena cultural e os desafios contemporâneos da escrita nortearam encontro com o premiado escritor Lira Neto na Fundação Waldemar de Alcântara, nesta quinta-feira (25). Gratuita e aberta ao público, reunião promete uma conversa marcada por trocas, provocações e olhares atentos
Onivaldo Neto
onivaldo@ootimista.com.br
Renomado jornalista e escritor, Lira Neto desembarca na capital cearense, nesta quinta-feira (25), para participar de um encontro promovido pela Fundação Waldemar Alcântara. Misturando experiência e narrativa, a conferência integra o novo ciclo do Projeto Portal FW, que viabilizará ainda mais duas reuniões com convidados ilustres das áreas da cultura, artes e pensamento brasileiro. Totalmente gratuito e aberto ao público, o bate-papo terá como tema: “Sobre a arte da escrita: entre o relato histórico e a criação literária”. Ao Tapis Rouge, o biógrafo cearense fala sobre o evento, a carreira, a literatura e os temas que permeiam a atualidade.
“O contato do autor com o leitor sempre representa um instante fértil de troca de impressões e de ideias. Isso serve, em especial, para desmontar de uma vez por todas a imagem do escritor como um gênio inacessível, trancafiado em uma torre de marfim, um indivíduo privilegiado que produz sua obra divorciado do mundo e do restante da sociedade. Sempre que possível, faço questão de participar de encontros e eventos assim. Considero-os parte fundamental de meu trabalho e de meu compromisso público como jornalista, pesquisador e escritor”, afirma o Lira, destacando a importância de iniciativas como a da FWA.
Natural de Fortaleza, João de Lira Cavalcante Neto é um dos nomes mais reconhecidos da literatura brasileira. Ao longo de mais de duas décadas como biógrafo, cerca de 20 livros de sua autoria foram publicados. Entre eles, ressaltam-se obras de grande proeminência, como “Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão” (2009), “O Inimigo do Rei: Uma biografia de José de Alencar” (2006), além da trilogia sobre a vida de Getúlio Vargas – trabalhos que lhe renderam importantes prêmios nacionais, como o Jabuti de Literatura e o da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).
Em retrospecto ao próprio legado, Lira revela um olhar sempre inquieto diante do conhecimento. “O maior aprendizado [adquirido durante a carreira] é a consciência de que ainda tenho muito a aprender. A cada novo livro, descubro mais sobre determinado tema. Sou movido por aquilo que o historiador italiano Carlo Ginzburg chamava de ‘euforia da ignorância’. Quando menos sei sobre um assunto, mais vontade tenho de mergulhar nele”, pontua.
Essa disposição permanente para o aprendizado também se reflete em sua visão sobre o papel da história e da literatura no debate público. Para o escritor, a realidade é composta por uma série de variáveis que não podem ser lidas por meio de análises simplistas. “O extremismo político e o fundamentalismo ideológico decorrem, em grande parte, do desconhecimento histórico. A pesquisa e a escrita da história servem para nos mostrar que não há verdades prontas e estabelecidas. O mundo é complexo e, portanto, exige que lancemos um olhar complexo sobre ele. A literatura, o jornalismo e a história nos fornecem ferramentas mais sofisticadas de interpretação e, por consequência, de entendimento e de argumentação”, comenta.
Tal raciocínio, ainda segundo Lira, torna-se mais urgente em um cenário contemporâneo marcado pela sobrecarga de informações e pela disseminação de fake news. Neste cenário, conforme aponta, é essencial compreender a complexidade do passado para enfrentar os dilemas do presente. “Toda e qualquer informação que nos chega, pelos meios mais diversos que sejam, corresponde aos interesses específicos de determinada matriz emissora. Nunca houve tanta informação circulando em meio a sociedade. Ao mesmo tempo, jamais houve tamanha carga de desinformação, de notícias falsas, de interpretações capciosas. Apenas o conhecimento e a sensibilidade, ambos adquiridos por meio de fontes confiáveis, nos permitem separar o fidedigno do embuste, o honesto do perverso, a sinceridade da hipocrisia”, examina.
O cearense conclui sua reflexão sobre o valor do conhecimento histórico e crítico afirmando que, se conseguir discorrer sobre durante o encontro na Fundação Waldemar Alcântara, já terá se dado por satisfeito. “Não quero fazer uma palestra, uma conferência, uma aula magna ou qualquer coisa parecida. Quero dialogar com a plateia. Sou adepto de Paulo Freire: o verdadeiro conhecimento não provém de uma transferência unilateral e verticalizada do saber, mas da troca permanente entre as posições de quem fala e de quem ouve. Mestre não é aquele que sabe dar lições, mas sim aquele que sabe aprender pela arte da escuta e do diálogo”, finaliza.