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Comemorando 40 anos de teatro, Carri Costa fala sobre lutas e vitórias da trajetória

Dois mil e vinte dois é um ano de festa para o ator, diretor e produtor cultural cearense Carri Costa, que celebra 40 anos de carreira no teatro. Por outro lado, é, talvez, um dos momentos de maior provação ao longo dos últimos anos, pois ele batalha para reerguer o tradicional Teatro da Praia 

Danielber Noronha
danielber@ootimista.com

Longe de todo o glamour e prestígio atribuídos a alguns rostos que decidem enveredar pelo caminho das artes, o ator e diretor Carri Costa se despiu de muitas vaidades quando escolheu o caminho da cultura como condutor da vida profissional. Entre acertos, erros e suor, ele alcança a marca de 40 anos dedicados ao teatro e não pretende parar. “Nunca verbalizei que faria teatro para o resto da vida. Já estou na minha vida e o resto dela é agora, seguirei assim até meu último respiro. Não houve uma virada de chave, as coisas foram acontecendo, nos desafios e nos prazeres”, defende o artista.

Uma das bandeiras que decidiu carregar foi a democratização do acesso ao teatro tanto para artistas como para a população. O meio escolhido para isso foi o Teatro da Praia, que funcionou até 2020 na rua José Avelino e acabou tendo parte da estrutura desabada em 2021. Agora, o mais novo desafio de Carri é colocar o Teatro de pé novamente, desta vez em novo endereço, na tradicional avenida Monsenhor Tabosa. Os desafios, porém, são inúmeros e eles já começam a dever aluguel pelo espaço. A luz no fim do túnel vista pelo fundador é o apoio do poder público e parcerias com o terceiro setor. “Não temos previsão de inaugurar porque tudo precisa ser construído […] Ele vai permanecer com as mesmas características, no sentido de estar aberto para todas as manifestações culturais”, projeta. Em papo com O Otimista, deu detalhes da tramitação para requalificação do espaço e também dos próximos trabalhos que poderão ser assistidos pelo público. Confira.

 

O Otimista – Carri, é sabido que a cultura é quase sempre um dos setores negligenciados no contexto social e político brasileiro. Ainda assim, você chegou à marca de quatro décadas de trabalho no teatro e segue na ativa. Como se sente em alcançar tal feito?

Carri Costa – Assim como centenas de milhares de artistas do Ceará, sou daqueles que viveu, vive e viverá dentro da arte até o final da minha história, pleiteando a forma mais profissional de exercer isto. Isso me envaidece, sim! Minha carreira é resultado de muito enfrentamento, luta, mas a especificidade de ser artista no Nordeste do Brasil, no Estado do Ceará, requer um esforço, às vezes, sobre-humano. Se entender no meio da arte, enquanto artista, e partir para essa luta por 40 anos é algo para se comemorar. Nunca fui uma pessoa muito vaidosa, mas sempre procurei valorar os artistas do meu Estado, a cultura local, a minha arte e vou fazer isso sempre. Faz parte da minha autoestima e da autoestima que o cearense tem que ter. Quando comemoro esses 40 anos de teatro, vou de peito aberto, com muito orgulho de ter passado pelo que passei e sei que as coisas não param por aí. Enquanto tiver saúde, serei ator e partícipe desta luta. 

O Otimista – Ao longo desses anos de palco, qual foi o trabalho que mais te marcou e que, talvez tenha extrapolado os limites do teatro e entrado um pouco em você?

Carri – Como muitos dos artistas do nosso Estado, comecei na periferia, fazendo o espetáculo Paixão de Cristo, no bairro da Piedade, em 1982, quando ainda era uma região muito periférica, e essa foi minha faculdade. Não tem como escolher só um [espetáculo] porque todos os que fiz me interferiram de alguma forma. Como tinha proposta era muito autoral enquanto ideia e dramaturgia, não conseguia, à época um iniciante desacreditado, entrar nos teatros e grupos já existentes na Cidade. Então, foi necessário criar uma companhia de teatro e, mais para frente, um teatro físico, onde eu pudesse colocar para fora o experimento da comicidade como idealizava. Sou um reflexo dos espetáculos que montei e todo o meu entendimento dentro de uma comicidade que respeita, é inteligente, satírica e analógica me fez perceber e entender coisas. Cada espetáculo escrito e encenado me modificou muito, até mesmo os infantis. Não tem como ser uma máquina que vai fazendo e produzindo, sem ter noção do que se está fazendo! A gente deixava o tempo acontecer e ele nos insultava a criar comédias que o momento pedia. Além disso, não me esquivei em nenhum minuto de colocar a ‘cearensidade’ no palco. Nem sempre foi um acerto de 100%, mas nunca houve um erro de 100%. Conseguimos atingir coisas substanciais para participar dessa cultura cearense do riso. 

O Otimista – Ainda nesta perspectiva, se pudesse dizer algo para o Carri de 40 anos atrás, iniciante, o que seria?

Carri – Eu diria que todo o medo que ele sentiu e que iria sentir, mas também toda a coragem, valeria a pena. O Carri é um cara absurdamente corajoso e acho até que bem desprovido de vaidades. É um ator que ficou no Ceará, com sua consciência política, cultural e auto estima enquanto persona da cultura cearense forte e inquebrantável. Durante esses 40 anos, atuei não só para me projetar, mas sempre tive uma visão de querer ser um ator da minha Cidade, o artista do meu povo. Conseguia levar a Cidade para um teatro, que era o espaço do Teatro da Praia, sem o mínimo de conforto, mas levava um público muito bom. Quando íamos para lugares mais confortáveis, a Cidade se convergia também para assistir às minhas comédias, gente que, comumente, não assistia às comédias locais. Tem uma frase que sempre digo ao terminar um espetáculo que é: Programe a televisão, adie o cinema e vá ao teatro. É importante valorizar a nossa cultura, a nossa arte. O Carri é esse cara apaixonado, que tem consciência do seu tempo, do seu momento, e vive isso até hoje.

O Otimista – Passeando por todos esses anos, percebe alguma mudança em relação a como as pessoas enxergam a cultura e os agentes culturais no Estado? Progredimos?

Carri – É incrível ter sempre que mostrar para todos que você não está fazendo arte e nem cultura para se dar bem da maneira mais cômoda possível. É incrível como estão sempre desconfiando dos artistas. Depois de viver tantas gerações, tem algumas coisas que ainda me causam estranheza. Acho cafona ouvir meus pares, ou seja, aquelas pessoas que lutavam por benefícios para a cultura e para a arte, ao vestirem a camisa do poder cultural, parece que esquecem um pouco dessa luta. Percebo que muitas vezes existe esse desprestígio e substituição para quem tá começando nas artes, parece que ninguém nunca começou. Fico meio triste com essa situação de sentir que os gestores poderiam fazer, entender e facilitar mais para os artistas. É uma briga, às vezes, muito desnecessária, isto porque o artista briga para se manter e o poder público acha que a cultura não tem uma diferenciação. Não se pode achar que cultura é a mesma coisa de comprar dez birôs para uma secretaria de estado e é preciso que as gestões entendam isso.  

O Otimista – Você tem uma feição muito grande por teatros, não à toa é gestor de um. De onde veio esse apreço e quando decidiu que iria fazer disso um ofício para toda a vida?

Carri – Não tem uma tomada de decisão exatamente. Você só sente! Nunca verbalizei que faria teatro para o resto da vida. Já estou na minha vida e o resto dela é agora, seguirei assim até meu último respiro. Não houve uma virada de chave, as coisas foram acontecendo, nos desafios e nos prazeres. A dificuldade de produzir fez com que eu entendesse que era preciso haver um espaço para a gente fluir da maneira mais democrática possível. O primeiro teatro que fiz foi o Galpão, ainda na Piedade, que ficava na serraria do Colégio Salesiano. A gente precisava que lá fosse o espaço para a comunidade assistir aquilo que produzimos. Nós trabalhávamos o clareamento da consciência social das pessoas. Logo depois, fui fazer o curso de Artes Dramáticas da UFC [Universidade Federal do Ceará], onde pude afinar minhas práticas, mas sempre com embasamento de onde vim. Na sequência, veio o Teatro da Praia, por volta de 1993. A gente não conseguia espaço nos teatros da Cidade para produzir e experimentar e foi nisso que veio esse lugar. É um teatro particular com aspecto completamente público, muito republicano e democrático, que sempre acolheu de tudo a nível de arte e cultura. Durante esse tempo, o Teatro da Praia foi e é o espaço gerido por artista mais acolhedor e onde aconteceram as apresentações mais revolucionárias do Ceará a nível de teatro, onde surgiram várias companhias e inúmeros artistas também se apresentaram por lá. 

O Otimista – Após o fim do Teatro da Praia na rua José Avelino e migração para a avenida Monsenhor Tabosa, como estão os processos para que ele seja aberto ao público? 

Carri – Não adianta eu me iludir de achar que vai ser fácil. Desde o começo de 2020, quando os proprietários pediram o imóvel da rua José Avelino, tem sido uma lapada atrás da outra. Em contrapartida, recebemos muito apoio da população e dos amigos na nossa campanha de arrecadação, que nos ajudaram a alugar este novo espaço e fazer as primeiras reformas, pois ele tinha uma estrutura de agência bancária que precisou ser desmontada. Recebemos também uma grana de indenização dos proprietários do imóvel da José Avelino, mas esse dinheiro já acabou. Estamos esperando um MAPP [Monitoramento de Ações e Projetos Prioritários]  do Governo do Estado para receber, ele foi assinado em setembro do ano passado e tramita até hoje. Tudo isto é angustiante, porque o aluguel do atual endereço é muito mais caro do que o anterior e a gente já está começando a dever o aluguel, que é uma coisa muito chata. O trâmite vem através da Secult e sei que a pasta tem milhares de coisas para resolver, mas eu queria um entendimento maior da importância do Teatro da Praia, porque daria para agilizar isso. Não temos previsão de inaugurar porque tudo precisa ser construído lá: palco, plateia, poltronas, iluminação, som, recepção, banheiros. Está difícil, mas tenho esperanças de que vai dar certo.

O Otimista – Você tem planos de explorar também outras vertentes no novo endereço? Se sim, quais?

Carri – A gente vai ter que se virar nos 30 para fazer com que o espaço se capitalize, se mantenha e tenha fundos de manutenção. Precisamos ter, por mês, algo em torno de R$ 12 mil. A intenção é que tenhamos um café, onde possamos sublocar para ele ficar na recepção do teatro. O espaço tem muitas salas e pode ter a possibilidade de locar para reuniões e também o próprio teatro para eventos. Ele vai permanecer com as mesmas características, no sentido de estar aberto para todas as manifestações culturais. Como sempre, não será um espaço de mercado, de lucro, mas, sim, um lugar de fruição de cultura. Se tiver que ser locado, a ideia é que se tenha subsídios  para pagar água, luz, aluguel, telefone e manutenção. Precisaremos ser bastante criativos para que o equipamento funcione bem e possa se manter. Precisamos de parcerias, porque história a gente tem. No próximo ano, iremos completar 30 anos.

O Otimista – Para finalizar, você estará em breve nas telonas com o novo filme do Halder Gomes. Como foi rodar o longa e também como está a expectativa para a estreia?

Carri – Além desse filme, o Bem-Vindo a Quixeramobim, que estreia neste ano, acabei de gravar uma série para a Netflix, que é protagonizada pelo Edmilson Filho, sob a batuta de Halder Gomes. Agora, vamos gravar a segunda e a terceira temporada do Cine Holliúdy, no Rio de Janeiro. A minha intenção é que tudo estreie logo e que o público veja e, acima de tudo, goste do meu trabalho. 

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