Quantas bruxas são necessárias para criar um enredo assustador? No longa “Apanhador de Almas”, que acaba de estrear nos cinemas nacionais, apenas quatro são mais que suficientes. Como Klara Castanho, Duda Reis e Angela Dippe, filme mergulha em um universo de mistério. Ao Tapis Rouge, elenco e diretores revelam detalhes da produção
Onivaldo Neto
onivaldo@ootimista.com.br
Pode ser que você tenha a impressão de já conhecer essa história: quatro jovens aspirantes a bruxas mexem com forças sobrenaturais ocultas, perdem o controle e enfrentam consequências avassaladoras. Se você pensou no clássico norte-americano “Jovens Bruxas”, de 1996, errou. Na verdade, esse é o enredo do terror nacional “Apanhador de Almas”, dos diretores Fernando Alonso e Nelson Botter Jr. (“O Pergaminho Vermelho”, 2020). Lançado nesta semana nas telonas brasileiras, o filme é protagonizado por nomes conhecidos, como Klara Castanho (“Tudo por um Pop Star”, 2018), Angela Dippe (“Castelo Rá-Tim-Bum”, 1994), Larissa Ferrara (“As Aventuras de José & Durval”, 2023), Jessica Córes (“Cidade Invisível”, 2021), Priscila Sol (“Carinha de Anjo”, 2016) e a estreante Duda Reis, mais conhecida, até então, por seu trabalho como influenciadora digital. O Tapis Rouge teve a oportunidade de bater um papo exclusivo com os diretores e o elenco do filme, que revelaram detalhes acerca da produção.
História

A trama, marcada por suspense e magia, gira em torno de quatro jovens bruxas com personalidades fortes e distintas. Durante um eclipse solar, Emilia (Klara Castanho), Olivia (Duda Reis), Isabella (Priscila Sol e Larissa Ferrara) e Mia (Jessica Córes), amigas que compartilham o interesse pelo ocultismo, decidem se reunir em uma casa isolada para vivenciar pela primeira vez um ritual sobrenatural. No local, encontram a enigmática e misteriosa Rea, uma mulher mais velha que as introduz e guia pela perigosa e sinistra cerimônia. O que deveria ser apenas uma experiência inusitada se transforma em um pesadelo quando, por acidente, as garotas evocam uma criatura de outra dimensão. A presença sombria as coloca diante de um dilema desesperador: tomar uma terrível decisão entre a vida e a morte.
Referências
Assim como qualquer outra produção audiovisual, “Apanhador de Almas” se inspira em diversas referências cinematográficas – fato confirmado pelos próprios diretores Fernando e Nelson. Para os mais atentos ao gênero do terror, talvez seja fácil identificar similaridades com “Jovens Bruxas” (1996), “A Bruxa de Blair” (1999), e outros. No entanto, com as suas devidas diferenças e particularidades, a maior referência é o universo macabro criado pelo famoso escritor americano H. P. Lovecraft, em especial o conto “Os Sonhos na Casa da Bruxa”, publicado em 1933.
“A gente partiu do pressuposto do famoso ‘Monster in the House’, história clássica do monstro na casa. E apesar de ‘Jovens Bruxas’ ser uma super referência, a história bebe mais da mitologia do H. P Lovecraft. Tem um conto dele bem famoso da bruxa [“Os Sonhos na Casa da Bruxa”] e a gente quis trazer um pouco disso para o nosso universo brasileiro. Numa casa remota, próxima da cidade de São Paulo”, explica Fernando. “A gente quis expandir para uma coisa um pouco diferente, misturando um pouco desse terror sci-fi, falando de multiversos e de realidades paralelas. É um uma mistura de várias referências”, completa Nelson.
Porém, mesmo com aproximações à estrutura narrativa de outros filmes do gênero, o longa brasileiro se diferencia ao tratar a bruxaria de forma bastante natural. O ritual sobrenatural é mostrado apenas como uma prática ocultista das protagonistas, dissociada, essencialmente, do que de fato evoca o terror e o horror na trama. Com isso, os diretores conseguem romper com o estigma tradicionalmente associado a esse “ofício”, que, segundo Nelson, nada mais é do que “trabalhar elementos e energias da natureza”.
“Essa coisa da demonização da magia é algo que talvez tenha sido criado por algumas religiões para acabar com essas culturas pagãs. Nossa intenção é quebrar um pouco esse preconceito. Trabalhar com essas energias da natureza é algo que pode ser muito bom, ainda mais no universo feminino”, declara o diretor. “A ideia foi sim trazer isso para uma situação natural, sem demonizar. Ao contrário, é uma forma de autoconhecimento como outra qualquer, ou uma forma de trabalho, como outra qualquer“, acrescenta Fernando.
As protagonistas
Com exceção de Duda Reis (Olívia), que estreia nos cinemas nacionais pela primeira vez com “Apanhador de Almas”, todo elenco do filme é de rostos familiares do público – por mais que em diferentes nichos. Um dos mais famosos, se não o mais famoso deles, é o da atriz Klara Castanho, veterana de novelas da TV Globo e de séries do streaming. No longa, seu talento é emprestado para dar vida a Emília, que, na delicada relação entre as jovens, atua como uma espécie de mediadora e aconselhadora do grupo. A aparente sensatez da personagem, no entanto, possui motivações obscuras escondidas em camadas criadas pelo trabalho cênico de Castanho.
Em seu debute no terror, Klara entrega uma atuação consistente, como costuma fazer na maioria das produções das quais participa. Para o público que a acompanha principalmente em projetos voltados para o infanto-juvenil, a presença em “Apanhador de Almas” talvez surpreenda apenas pelo estilo, pois sua performance carregada de confiança mantém a solidez cênica que compõe sua marca artística – construída ao longo de muitos anos de carreira. Essa segurança transparece também nas palavras da própria atriz, que explica como encarou o desafio de se aventurar pelo gênero. “Apesar de não ter sido planejada, foi uma coisa desejada nesse lugar de descoberta. Não posso dizer que eu tinha um objetivo claro de fazer terror, mas é claro que existia uma curiosidade. Sempre estou disposta a me desafiar em lugares desconhecidos na minha profissão. No terror a gente se desafia de uma forma diferente. Eu não tinha como pular essa etapa de desafio. E é isso, é me testar e me redescobrir como atriz também”, conta.

Angela Dippe, que interpreta Rea – a peculiar anfitriã e espécie de guia no ritual de bruxaria – compartilha um background semelhante ao de Klara. A atriz de 63 anos, mais conhecida pelo papel da repórter Penélope no seriado brasileiro “Castelo Rá-Ti-Bum” (1994), se aventura no cinema de terror, entregando uma performance que, ao mesmo tempo, em que utiliza decisões cênicas que caricaturizam a personagem, também revela um lado mais denso de sua atuação. “Achei o máximo fazer, porque eu gosto de variar o tempo inteiro. Claro, eu fiz muito mais comédia e trabalhos para o público infantil, mas eu gosto muito de fazer personagens que sejam muito diferentes de mim. Então, quase você não reconhece a Angela, né!?”, discorre Dippe.
As demais atrizes do enxuto elenco – Priscila, Jessica, Larissa e Duda – mantêm a mesma qualidade e consistência de atuação. Em tela, é nos momentos de conflito e atrito entre as personagens que a harmonia entre as artistas fica ainda mais evidente. Com uma química notável, elas conseguem expressar as complexas nuances que permeiam as relações das jovens bruxas, que rapidamente passam a questionar os laços que as conectam. Essa fluidez nas interações é, inclusive, um dos principais elementos que sustentam a narrativa fantástica do filme até o fim.
Bastidores
E se na frente das câmeras as atrizes estavam totalmente em sintonia, nos bastidores não poderia ser diferente. De acordo com Larissa, o clima no set de filmagens era completamente positivo e de amizade, decepcionando os mais imaginativos que esperavam relatos de acontecimentos no mínimo estranhos na produção de terror. “Muita gente pergunta isso e, na verdade, não aconteceu nada, foi um set muito harmonioso. Eu sei que as pessoas às vezes esperam que a gente fale que alguém quebrou a perna, que alguém bateu o carro, que aconteceu algum desastre, mas felizmente com a gente foi tudo muito gostoso. Foram dias intensos de muito foco e ainda bem a gente não viu nada, não teve nada de estranho”, relembra a atriz.
Apesar da experiência tranquila, a atriz revela que a história por trás do local de filmagem é bem mais assustadora. Para a surpresa do grupo, a casa onde o filme foi rodado tem uma fama que eles só descobriram depois que o trabalho estava concluído. “Mas segundo os meus diretores [Fernando e Nelson], parece que nessa casa [do filme] realmente há assombrações. Eu e Klarinha ficamos sabendo agora disso, depois de fazer todo o filme. Mas com a gente não, com a gente foi tudo muito maravilhoso”, completa Ferrara.
Sequência?
“A gente vai fazer a trilogia das bruxas”, brinca Nelson. Sem dar spoiler, o desfecho da história de ‘Apanhador de Almas’, abre margem para diversos novos caminhos narrativos em possíveis sequências, que também não são descartadas por Fernando. “Se a galera gostar e se animar… a gente sempre tem propostas para poder trabalhar o universo. Hoje, eu acho que o mercado aceita bem continuações, sequências ou construções de universos que dão certo. Então, sim, existe essa possibilidade”, diz.
Com esse panorama de um possível segundo ano do filme, Klara revela que adoraria voltar a encenar sua personagem, mas, desta vez, aproximando-a ainda mais do espectador. “Eu gostaria muito de revisitá-la e, talvez, com as pessoas já sabendo qual é o desfecho da história, explorar mais essa comunicação com o público, talvez uma quebra de quarta parede ou uma comunicação mais direta com a câmera”, reflete.
Terror brasileiro
“Apanhador de Almas” foge à “regra” dos lançamentos nacionais por investir em um gênero ainda pouco valorizado por telespectadores que consomem cinema brasileiro. As barreiras para produções audiovisuais do tipo parecem ser múltiplas, mas não permanentes, como analisa Larissa Ferrara. “Acho que há público para tudo. E eu sinto que o brasileiro é fã de muitas coisas, tem seus ídolos e é muito engajado. Então, eu acredito, sim, que tem um público forte que vai amar assistir mais produções do gênero de terror, terror psicológico e suspense. É difícil as pessoas e o mercado acreditarem nesse gênero, sendo que se a gente olha para fora, dá muito certo”, avalia.

A percepção de Larissa encontra eco em Jéssica Córes, que enxerga um momento de maior abertura e interesse do público e do mercado para as produções nacionais. “Acho que o público tá mais curioso com o que tem sido feito no Brasil dentro do audiovisual. As pessoas estão consumindo cada vez mais e a gente tá tendo muita abertura também, daqui de dentro para fora. O estrangeiro tá olhando muito para o nosso País. Principalmente depois de tantos lançamentos, de tantas indicações e premiações também. Eu acho que a gente está tendo uma grande abertura, sabe!? De conseguir impor agora o audiovisual brasileiro”, pontua.
Na mesma linha de otimismo, Priscila Sol reforça o potencial criativo das produções nacionais e destaca a fantasia como elemento capaz de dialogar com o público, principalmente o jovem. “Eu acho que vai pegar muito os adolescentes, que acredito ser o público-alvo do filme. Eles vão gostar porque o filme tem uma certa magia. E eu acho que é isso que falta hoje no cinema brasileiro: a fantasia. Nossa cultura é muito ampla, muito diversa. A gente tem muito folclore, tem muito orixás, tem os guias, tem a fantasia em si, os elementais. É muita natureza que a gente tem para explorar que está por trás do palpável”, finaliza.
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Filme “O Apanhador de Almas”
Em cartaz nos cinemas brasileiros
Terror
Classificação 14 anos