No encerramento da série Arte em Isolamento, Cecília Bichucher apresenta a obra “O tempo que o mundo parou”, uma linoleogravura inspirada em preces enviadas a ela via redes sociais
Emanuel Furtado
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Quando chegou o período de pandemia, Cecília Bichucher achou que ia entrar em um processo de produção intensa, “pois finalmente ia ter aquele espaço e tempo para fazer produzir, produzir, produzir. Mas a realidade me pegou de jeito”, conta ela nesta matéria que encerra série “Arte em Isolamento”, em que O Otimista mostrou, ao longo de seis semanas, os trabalhos desenvolvidos por grandes artistas locais em tempos de isolamento social.
Com a situação em agravamento, levando em consideração o número de mortes e doentes até os dias de hoje, ela diz ter observado que as pessoas ao seu redor estavam se voltando para o lado espiritual. “Vi nisso a esperança que me faltava. Pedi aos conhecidos que me enviassem uma prece via Instagram. Muitas pessoas me enviaram o que estavam acostumados a rezar ou meditar”, explica.
“Assim resolvi produzir um trabalho sem fim…”, diz Cecília, em referência a uma série de trabalhos visuais em cima de extensa gravura (10m de extensão x 40cm de largura), a qual intitulou “O tempo em que o mundo parou”. “Ela aparenta não ter emenda, um fluxo contínuo de tempo, o tempo em que o mundo mudou e nos obrigou a parar”, relata a artista, lembrando que a obra – selecionada para o Salão de Abril de 2020 – será apresentada através de um “livro rolo”.
Para a realização da linoleogravura – processo de gravação semelhante a nossa tradicional xilogravura, cuja imagem é recortada em placa de linóleo -, Cecília utilizou um rolo de papel oriental, tinta para aquarela, nanquim e lápis de cor. Além de gravuras, ela trabalha com colagens, telas e também borda. “Hoje em dia se fala que o artista não é mais de uma única vertente. Somos múltiplos”, avalia.
Bichucher afirma que se considera uma pessoa contemplativa. “Logo observo o que me circunscreve. Faço uso também da palavra, sou poeta, além de artista visual. Então estou sempre lendo e ouvindo os outros. Meu trabalho se relaciona com a ficção, com a ‘matéria que o sonho é feito’. São colagens, aquarelas e nanquim, que retratam ambientes familiares, mas ao mesmo tempo não correspondentes com a realidade fotográfica. Observo mais aquilo que gostaríamos de ver. Trabalho também com livros, livros de artista. Calvino (Ítalo) diz que o livro tem que ter começo, meio fim. Acredito que minha obra muitas vezes lida com este tema direta e indiretamente. Uma maneira de olhar a vida fantasticamente”.
A arte como maneira de viver
Ainda garota, a artista visual Cecília Bichucher tinha como passatempos favoritos a leitura e passear por exposições e museus. “Não me lembro do tempo quando a arte não fazia parte da minha vida”, diz. Bacharel em Belas Artes, se formou nos Estados Unidos na década de 1980. “A vida me levou ao envolvimento com outras coisas, filhos, trabalho de escritório, mas a arte esteve sempre comigo. Agora, num outro estágio da vida, me dedico a ela 24 horas por dia. Acredito que arte não seja só um metier, mas uma maneira de viver”.
Sobre os artistas que a inspiram ao longo dos anos: “Minha posição é a seguinte, se eu já vi o seu trabalho, ele faz parte do meu repertório. Mas existem artistas que nos tocam de maneira especial em cada época das nossas pesquisas”. Ela destaca o pintor alemão Emil Nolde, o pintor inglês William Turner, a artista portuguesa Lourdes de Castro e os brasileiros Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, “quanto uso a palavra e pela maneira de usar um vocabulário cotidiano para dizer coisas extraordinárias”.

























