“Sirât”, que abriu a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é o representante da Espanha na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar 2026. Assim como “O Agente Secreto”, escolhido pelo Brasil para concorrer na mesma categoria, o longa também foi premiado em Cannes
Gabriel Amora
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Com os indicados ao Oscar ainda por serem revelados, as previsões já começam a ganhar força, especialmente para o Brasil. Segundo revistas de prestígio como “The Hollywood Reporter” e “Variety”, o País surge como um forte candidato com “O Agente Secreto”, cotado para figurar não apenas entre os indicados a Melhor Filme Internacional, mas também em categorias como Melhor Ator e até na disputa principal. Enquanto o cenário da temporada de premiações se desenha, outros títulos estrangeiros já circulam com força em festivais importantes, como é o caso de “Sirât”, longa espanhol de Oliver Laxe que foi o escolhido para abrir a 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, nesta semana.
Mais do que apenas um concorrente técnico, “Sirât” é uma obra que expande as fronteiras do cinema tradicional. Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes, o filme surgiu com discrição, sem trailers, pôsteres ou campanhas publicitárias barulhentas, mas impactou profundamente. Assisti à sua estreia em Cannes, já tarde da noite e quase esgotado após um dia intenso, e mesmo assim fui completamente absorvido. Tenham essa informação em mente.
Premissa
O filme, apesar de todo choque posterior, começa com uma premissa simples: um pai e seu filho partem em busca da filha desaparecida, cruzando o deserto marroquino de rave em rave. O que poderia ser apenas um drama familiar se desdobra em uma jornada sensorial que mistura road movie, western contemporâneo e um tipo de delírio visual que remete a Gaspar Noé, mas com um controle emocional e narrativo muito mais refinado.
Essa mistura de estilos se apoia em referências facilmente reconhecíveis. O deserto árido evoca “Mad Max”, de George Miller, a pulsação da música eletrônica remete a “Clímax”, de Noé, e a dimensão quase metafísica de alguns momentos remonta ao silêncio enigmático de 2001: “Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick. Um dos momentos mais simbólicos do trabalho, por exemplo, acontece quando gigantescas caixas de som surgem no meio do nada, como um monólito distorcido da era digital. Mas, ao contrário do símbolo de renascimento de 2001, aqui o objeto parece anunciar um colapso, seja da linguagem, da sociedade ou do que entendemos como realidade.
Impressões
Mais do que uma experiência estética, “Sirât” oferece também uma crítica política e social potente. A oposição entre uma força policial obediente a um regime autoritário e uma juventude que busca na música não apenas prazer, mas um espaço de resistência, dá ao filme um peso que vai além da superfície imagética. O terceiro ato, imprevisível e brutal, costura essas tensões com coragem, sem ceder à explicação fácil ou ao simbolismo explícito.
E é justamente nesse equilíbrio entre delírio visual e denúncia política que “Sirât” revela seu verdadeiro sentido. O título, que em árabe significa “ponte sobre o inferno”, não é só uma metáfora espiritual. É também um comentário sobre um mundo em que o caminho entre sobrevivência e ruína é cada vez mais tênue. Ao final da jornada, o horizonte permanece deserto, incerto, talvez irreversível. E ainda assim, seis meses depois da sessão, o impacto do filme continua reverberando. Porque Sirât não termina quando a tela escurece. Ele segue pulsando dentro de quem teve o privilégio de atravessá-lo.