A natureza fala — e, nas telas de Bosco Feitosa, ela prefere sussurrar. O artista visual abre neste sábado (30), na Artesano Casa Galeria, a primeira exposição individual da carreira no Brasil. Intitulada “O que a Natureza Sussurra”, a mostra reúne 30 obras que transformam paisagens em memórias afetivas e reflexões ambientais. Saiba mais
Sâmya Mesquita
samyamesquita@ootimista.com.br
Não é todo dia que a natureza ganha forma por meio de telas. E quando isso acontece pelas mãos habilidosas de alguém como Bosco Feitosa, ela não apenas fala: sussurra — mas apenas para aqueles que sabem ouvi-la. O artista visual apresenta, neste sábado (30), no Espaço Cultural Vicente Leite da Artesano Casa Galeria, a primeira mostra individual em solo brasileiro. A exposição “O que a Natureza Sussurra” reúne cerca de 30 pinturas que transitam entre acrílica e óleo sobre tela, convidando o público a uma experiência estética e sensorial em que paisagens não se limitam a cenários: elas são memórias, emoções e perguntas urgentes sobre o presente e o futuro do planeta.
Com trajetória marcada pela fusão entre arte e reflexão social, Bosco vive um momento de plena metamorfose criativa. Antes, suas séries exploravam híbridos de seres humanos e animais, num gesto de liberdade anatômica e imaginação icônica. Agora, em “O que a Natureza Sussurra”, o artista se lança ao desafio de retratar paisagens como protagonistas. “Na verdade, esta série que apresento é resultado de duas outras. Primeiro mostrei em Paris, em 2023, a série Em ‘Extinção’, com animais brasileiros ameaçados. Depois retomei ‘Devaneios’, que comecei nos anos 1970, quando ainda desenhava seres híbridos. Agora, resolvi me desafiar pintando paisagens que vivencio no meu sítio ou que guardo na memória. A proposta é que cada quadro traga um sussurro da natureza — amor, paz, contemplação, preservação — e que o observador perceba minha cartografia emocional da natureza”, detalha ao Tapis Rouge.
Embaçamentos artísticos

Essa “cartografia emocional” é o conceito-chave no novo trabalho do artista. O termo, segundo ele, descreve a forma como experiências, lembranças e sentimentos se transformam em gestos pictóricos. “Para mim, a arte que um artista produz é um amálgama do que ele vê, vivencia e traduz em cores, formas e gestos. Gosto muito do termo ‘ruminar’, usado por Mia Couto, e minha cartografia emocional é resultado desse exercício. Rumino uma paisagem que vejo ou imagino, e depois regurgito em forma de pintura, para que outras pessoas também façam esse exercício. As cores, os embaçamentos de bordas e as texturas são manifestações desse processo”, explica.
A curadora da mostra, Andréa Dall’Olio, considera que a mudança de Bosco Feitosa não rompe com seu percurso, mas amplia suas investigações visuais. “Essa transição não representa uma ruptura, mas sim uma metamorfose natural, como a muda de pelo dos animais, o secar e o rebrotar das plantas ou a alternância das estações do ano. Há nesse movimento um impulso vital que transforma, sem negar, o que já foi. A paisagem torna-se agora corpo simbólico, superfície viva onde é inscrita sua investigação”, observa.
Manifesto pela vida
Para Bosco, entretanto, o gesto vai além da técnica: trata-se de um posicionamento diante do mundo contemporâneo e de seus dilemas ambientais. Suas obras surgem como alerta poético sobre o antropoceno, época geológica em que a ação humana modifica de forma radical o planeta. “Nós, humanos, temos uma prepotência absurda em achar que somos superiores a qualquer outra vida na Terra. O homem é muito egoísta quando busca dinheiro e poder. Nesse processo, é capaz de cometer desmandos sem medir consequências para as futuras gerações. Mal sabem que a natureza tem mais poder do que se imagina. Não há consciência de que somos parte dela, e, ao agredi-la, estamos colocando em risco nossa própria existência. Nesse sentido, a arte pode ser um veículo de reivindicação e resistência. Se eu conseguir provocar uma reflexão sobre os danos do antropoceno, já me sinto realizado”, afirma o artista.
Não à toa, a exposição também convida o público a gestos concretos de preservação. Durante a abertura, os visitantes receberão mudas e sementes de jacarandá, oferecidas pelo casal Lúcia Helena e Roberto Galvão, como parte da experiência de integração entre obra e vida. “Pensamos em várias estratégias para provocar reflexão. Foi quando surgiu a ideia das sementes. Na exposição ‘Em Extinção’, usei QR codes que reproduziam sons dos animais retratados, com o slogan ‘tenha um pássaro na tela e não na gaiola’. Agora, quero explicitar que a natureza me sussurra a necessidade de reflorestar para respirar”, diz Bosco.
Cada tela se torna um convite: olhar para fora e para dentro, reconhecer a paisagem física e a paisagem interior, perceber os rastros humanos na superfície do mundo e refletir sobre quais marcas deixaremos: “A minha pintura é também uma forma de perguntar sobre o futuro possível a partir das marcas que deixamos. A natureza nos pede cuidado e responsabilidade. O presente é a semente de um legado que está por vir”.
serviço
Exposição “O que a Natureza Sussurra”
Abertura para convidados neste sábado (30), das 10 às 13h
No Espaço Cultural Vicente Leite na Artesano Casa Galeria. Rua Vicente Leite, 743. Meireles
Abertura para convidados neste sábado (30), das 10 às 13h
Visitação de 1º a 30 de setembro de 2025. De terça a sexta das 9h às 18h. Aos sábados das 9h às 12h
Acesso gratuito