Há quase dois anos, o compositor e poeta cearense Marcus Dias renasceu após sofrer um AVC. Em meio às reviravoltas da vida, a música, que sempre foi protagonista, tornou-se alicerce nestes tempos difíceis. Um novo disco autoral concretiza um sonho antigo do compositor – um presente de Natal que há muito esperado
Naara Vale
naaravale@ootimista.com.br
Foto: Edimar Soares
Há quase dois anos, tudo saía do lugar. Era uma tarde de 31 de dezembro de 2018. Uma dormência no braço que não passava levou o músico, compositor e poeta cearense Marcus Dias ao hospital. Diagnosticado com uma inflamação no nervo, voltou para casa com um anti-inflamatório receitado pelo médico. Horas antes de 2019 chegar, Marcão, como é chamado pelos amigos, entrou em um novo mundo. Ambulância, desespero da família, hospital, incertezas. 2019 começava de cabeça para baixo, espalhando por aí a notícia de que o Marcão, “aquele cara simpático”, tinha sofrido um sério Acidente Vascular Cerebral (AVC).
A vida recomeçou ali. Aos 53 anos, tal como criança em desenvolvimento, Marcão precisou reaprender a andar, a falar, a escrever. Teve, inclusive, que tentar lembrar de onde conhecia aquela moça bonita que estava ali ao seu lado o tempo todo. Era Ângela Serpa, sua companheira há 11 anos, com quem tem Pedro, 10, e João, 6. O AVC havia afetado quase todo o lado esquerdo do cérebro. Ainda estar por aqui foi uma daquelas chances que a vida dá de recomeçar. “O médico falou que tinha 80% de chance de ele ter morrido naquele momento”, lembra Ângela.
Após três períodos de internações no Centro de Neurorreabilitação SARAH, de Fortaleza, e incontáveis sessões de fisioterapia e fonoaudiologia, hoje, aos 55 anos, Marcão ainda tem dificuldades na fala e nos movimentos. Algumas palavras, que sempre foram seu instrumento principal de trabalho, por vezes insistem em não aparecer na memória, embora não impeça de que ele siga reunindo-as em letras e poemas.
Paralelo a isso, uma grande rede de solidariedade formou-se em torno do casal. Amigos de longas datas, familiares e gente que mal conhecia o casal se chegaram para ajudar, seja financeiramente, seja ficando em casa com Marcão enquanto a esposa ia buscar os filhos na escola ou o contrário, levando e trazendo as crianças. Músicos e parceiros reuniram-se em shows beneficentes, levando as canções de Marcão para o palco.
Recomeços
Muita coisa mudou desde aquela noite de Réveillon de 2018. As corridas na Beira Mar, a capoeira, os passeios com os filhos e o dia a dia agitado, como ele mesmo diz, são “coisa do passado”. A rotina é outra e a visão de mundo também. “Você passa a pensar na vida e, depois, no que deixou de fazer. Você cai numa real, fica atento ao mundo como ele é e acho que isso é muito bom”, diz o poeta, com um sorriso aberto que nos lembra estarmos diante do Marcão de riso fácil de sempre.
A música também ganhou um novo lugar na vida de Marcus Dias. Apesar de ela sempre ter permeado a sua caminhada – mesmo enquanto ele trabalhou em coisas nada a ver, como numa loja de aluguel de ternos, ou enquanto fazia a Faculdade de Letras – depois do AVC, ela se tornou um alicerce e respiro, especialmente neste ano de pandemia.
Compositor desde a adolescência, aos 18 anos escreveu sua primeira música, “Os Bêbados”, um clássico no repertório cearense, gravado por diversos intérpretes. De lá para cá, Marcus já soma seis discos (três em parceria com Isaac Cândido e três com Pantico Rocha), mais de 300 composições e incontáveis poemas “que dão pra fazer pelo menos uns dois livros”, algo já imaginado para o futuro.
Ao longo de 2020, Marcão se manteve ocupado dentro de casa selecionando, produzindo, ouvindo e reouvindo as canções que estão no seu novo álbum, “Lado a Lado”, lançado na última quinta-feira (17). Com canções interpretadas por diversos cantores cearenses e algumas composições em parceria, Marcus Dias colocou no mundo o primeiro disco em que assina todos os processos, desde a concepção à direção musical. Um presente de Natal que há muito tempo esperava. “Foi um sonho realizado”, diz ele, com mais uma gargalhada de nos encher de esperança.
Poeta múltiplo
Com 11 faixas inéditas, “Lado a Lado” é o primeiro disco concebido e produzido pelo compositor e poeta Marcus Dias. No álbum, o poeta mostra toda a pluralidade de suas composições
De caixas empoeiradas e papeis antigos, saíram composições há muito tempo guardadas. Letras escritas em outros tempos, umas solo, outras em dupla. Ao lançar seu primeiro disco mais autoral, “Lado a Lado”, o compositor e poeta cearense Marcus Dias apresenta ao público onze canções inéditas e uma faixa bônus, assinadas pelo artista sozinho (música e letra). O disco foi lançado na última quinta-feira (17), pelo canal do Marcus Dias no YouTube, junto com a estreia de um mini-documentário sobre a gravação e os bastidores do álbum.
Com direção musical de Caio Castelo e arranjos dele e de Thiago Almeida, o disco reúne composições compostas por Marcus Dias sozinho ou ao lado de parceiros como Isaac Cândido, Pantico Rocha, Pedro Frota, Alexandre Bastos, Bruno Perdigão e Thales Catunda (do Bloco Luxo da Aldeia). Para interpretar as canções, Marcão, como é conhecido entre os amigos, convidou, além dos compositores, nomes como Davi Duarte, Edinho Vilas Boas, Nayra Costa, Theresa Rachel, Marina Cavalcante.
Autor de clássicos do repertório cearense, como “Os bêbados”, em “Lado a Lado”, Marcus Dias mostra a pluralidade da sua escrita, trazendo composições de temas múltiplos. Em pelo menos três canções – “Prece da rainha”, “Olodumaré” e “Ewá” – ele traz à tona os orixás, objeto de pesquisa recorrente nas composições do artista, assim como as referências ao mar.
Em outras, como “Outra estação”, “Encontro com o mar” e “O tempo mudou de lugar (Pequeno príncipe)”, o poeta mostra seu lirismo. Há ainda o lado carnavalesco e bem-humorado do compositor, que fica estampado em “A condução”, dele com os integrantes do bloco Luxo da Aldeia, Bruno Rocha e Thales Catunda. A faixa bônus que encerra o disco é uma gravação de “O tempo mudou de lugar (Pequeno príncipe)”, interpretada pelo próprio Marcão, antes de ele sofrer um AVC, em 2019.
Além do próprio Marcus Dias, “Lado a lado” teve a produção de Ângela Serpa, Dalwton Moura e Ana Maria Xavier.
Serviço:
“Lado a Lado”, disco de Marcus Dias
Onde: disponível gratuitamente em todas as plataformas digitais (Spotify, Deezer, i-Tunes/Apple Music, Soundcloud). O disco físico pode ser adquirido pelo whatsapp (85) 99973.3054 ou pelo e-mail marcusdiascompositor@gmail.com. Valor: R$ 30