Por mais que designers ovacionados como Kallil, Linderbergue, David Lee e Almeirinda lotem as salas de desfile, há um destaque especial àqueles recém saídos das universidades, atentos às tendências internacionais
Sâmya Mesquita
samya@ootimista.com.br
A moda cearense está presenciando seu evento máximo durante toda esta semana. O DFB, um dos maiores encontros de moda autoral da América Latina, traz à sua 24ª edição o tema “Em Movimento”, destacando novos talentos e evidenciando estilistas já conceituados. E não é exagero dizer que os estilistas que por lá se apresentaram nos últimos dois dias não perdem em nada para tantos outros que ganham destaque em eventos nacionais, como o SPFW.
Mas antes, vale destacar que a principal linha editorial do evento é o experimental. E por mais que designers ovacionados como Kallil Nepomuceno, Linderbergue, David Lee e Almeirinda Maria lotem as salas de desfile – e, posteriormente, seus ateliês -, há um destaque especial àqueles recém saídos das universidades que vêem na moda um campo aberto e sem obstáculos para a criatividade. Um exemplo – longe de ser o único – é o elogiadíssimo Vitor Cunha que conseguiu grande visibilidade nos últimos anos a partir do investimento do DFB em sua primeira coleção. E foi o seu talento que garantiu os elogios subsequentes.
Enfim, por mais que a vanguarda estivesse presente nas passarelas do Centro de Eventos nesta quarta (31) e quinta (1º), tendências apontadas nos desfiles europeus estavam presentes. O que não caracteriza imitação, e sim o indicativo de sintonia do que se produz em terras alencarinas com o que se busca em termos de mercado de consumo internacional, focado no upcycling, no clássico e nas questões sociais cada vez mais latentes.
Vamos a algumas dessas tendências e previsões, presentes nos desfiles de alguns estilistas que tive a oportunidade de prestigiar:
Primeiro dia
Sanderson Amaral e Johnson Alves
Apesar de estreantes nos desfiles principais do DFB, tanto Sanderson Amaral quanto Johnson Alves não são novatos na produção das passarelas. Sanderson, Designer pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ficou em terceiro lugar no Ceará Moda Contemporânea. Já o alagoano Johnson aprendeu a costurar com a mãe
e a avó.
O cearense trouxe muita cor ao desfile, entrelaçada a tendências que se encaixam perfeitamente com o clima nordestino, como flores, franjas mais finas, quase em plumas, sobreposições leves, detalhes em couro e flores no pescoço. Aplicações em fuxico deram o tom das peças, aplicando vivacidade e liberdade aos looks que pouco se importaram com acinturamentos sufocantes.
Alves, por sua vez, trouxe sua herança materna às passarelas homenageando as mulheres benzedeiras, tão fortes no Nordeste brasileiro. Tons crus, entre a estampa e a alfaiataria, engrossaram a possibilidade de usar sobreposições e tricôs em climas mais quentes. Destaque para os acessórios maxi, que fecharam a construção dos tons nudes.
Melk Zda
Com foco em bordados estruturados, Melk Zda trouxe um equilíbrio entre conceito e consumo, com muitos botões, transparências, barrigas à mostra e até corsets!
A aposta também foi nos tons de bege, apesar de algumas peças fugirem desse padrão. As caudas e os longos vestidos de fenda marcaram suas peças, como veremos também em outros desfiles.
Almerinda Maria
Com um público fiel, Almerinda não precisa provar mais nada para vender suas coleções. E apesar de trazer modelos próximos das ruas, sua apresentação não deixou de arrancar suspiros pelas composições em bordados e rendas.
Almerinda não teme as cores e abusa delas em alfaiataria casual. Sobretudos, padrões florais, franjas e até caudas fizeram seu público aplaudi-la de pé.
Outros desfiles
100% CE, Airplane Brasil e Liana D’Áfrika.
Segundo dia
Kallil Nepomuceno
Um dos mais aguardados desfiles do segundo dia foi – literalmente – um arco-íris de referências. Difícil dizer quando uma coleção de Kallil é a definitiva, quando há uma surpresa a cada ano. Focando no upcycling, o estilista trouxe à passarela do DFB glamour e versatilidade.
Tendo o fuxico como estrela da noite, o designer trouxe brilho em tecido metalizado de todas as cores. Poás, plumas, babados volumosos e transparências também se destacaram, mas nada como a bolsa de fuxico em cetim verde.
Um capítulo à parte foi a presença do ator Silvero Pereira, que arrancou gritos de entusiasmo do público. E da apresentadora Nayra Costa, que é sempre cadeira cativa nas passarelas do estilista.
Vitor Cunha
Um dos maiores talentos do DFB, Vitor Cunha conseguiu unir elementos que, sozinhos, são básicos; mas juntos, permitem que qualquer look da coleção seja facilmente apreciável em qualquer Semana de Moda da Europa.
Calças cargo, bolsos aos montes, elásticos, cinturas super baixas com tops extremamente curtos, metalizados e franjas são algumas das tendências apresentadas. Mas talvez a sobreposição de gola alta com casaco de tricô tenha sido a maior delas.
Lindebergue
O desfile mais impactante da noite deixou o público emudecido, em diversos momentos de crítica. Ao trazer sacos e tecidos rasgados, o objetivo foi criticar a pouca atenção que algumas marcas dão à causa ambiental, atentando-se para o consumo de plástico em excesso. E para estabelecer noção, alguns modelos foram feitos em neoprene, tecido em borracha utilizado por surfistas e mergulhadores.
Lindebergue também trouxe corpos diversos à passarela, além de acessórios em madeira, plissados, transparências, gola alta e capas. O grande número de peças que não marcam a cintura, independentemente dos corpos, também é um fator de atenção.
Outros desfiles
Norb Brand e Levi Santos, Ahazando, Club 99 e Sau + Sheila Morais
Pode-se dizer que o DFB 2023 não só faz parte de uma grande propensão global a desejos de consumo mais discretos, reflexivos, como também que está construindo esta imagem no cenário da moda nacional, especialmente da autoral. O consumo consciente e a liberdade vão além da modelagem e atingem os anseios do século, não apenas fazendo do cearense um refém de tendências, mas protagonizando-o.
