Crítica: Entre a irresponsabilidade e o desequilíbrio, “Bugonia” chega aos cinemas com Emma Stone no papel principal

Aplaudido no Festival de Veneza e na Mostra de São Paulo, “Bugonia”, protagonizado por Emma Stone, finalmente chega aos cinemas brasileiros, mostrando que fazer um filme exige mais do que talento: requer responsabilidade e equilíbrio, qualidades que parecem ter desaparecido na obra de Yorgos Lanthimos

Gabriel Amora
amoragabriel@ootimista.com.br

Yorgos Lanthimos é uma figura intrigante. Dono de um talento singular e responsável por algumas das narrativas mais desconcertantes do cinema contemporâneo, como “Dente Canino” (2009) e “O Lagosta” (2015), o diretor costuma equilibrar rigor estético com uma vontade quase compulsiva de cutucar feridas sociais expostas. O problema é que, nessa combinação, ele frequentemente sacrifica qualquer vestígio de sutileza. Os filmes se tornam cansativos tanto pelas imagens que repetem maneirismos de obra para obra quanto por textos que escancaram a posição que deseja defender. “Pobres Criaturas” (2023), o maior sucesso do cineasta, é o exemplo mais evidente. Visualmente reiterativo e narrado em ciclos, o longa entrega tantos finais que acaba retirando do público qualquer possibilidade real de reflexão.

“Bugonia”, o novo trabalho exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e agora em cartaz no Brasil, reincide nessa mesma lógica. Novamente protagonizado por Emma Stone, a musa criativa do diretor, o longa apresenta a história de um teórico da conspiração que acredita, com convicção absoluta, que a personagem de Stone é uma alienígena infiltrada na Terra. Certo disso, ele a sequestra e a mantém presa, debilitada e faminta, até que a situação começa a escapar de seu controle e ela tenta encontrar uma forma de fugir.

Dessa vez, porém, Lanthimos pisa no freio em termos de estética. A fotografia e a trilha sonora não tentam aparecer mais do que a narrativa, e a montagem ágil impede que o filme se torne exaustivo (pelo menos na primeira metade). O resultado lembra “Louca Obsessão” (1990), clássico dirigido por Rob Reiner, embora com a inversão de papéis, já que o sequestrador aqui é o homem. Consequentemente, o diretor permite que os atores conduzam a cena, e ambos brilham intensamente. Emma Stone confirma o talento excepcional que possui e surge até mais afiada do que em “Pobres Criaturas”. Já Jesse Plemons demonstra mais uma vez sua habilidade impressionante de interpretar psicopatas, sempre diferentes entre si.

O problema central está no roteiro. As conversas entre os protagonistas se repetem, as situações se embaralham sem criar novas possibilidades e o humor perde força com o passar dos atos. A trama passa a irritar o espectador porque revela não saber exatamente para onde ir. Quando os personagens parecem entrar em um acordo, é evidente que tudo dará errado, e, pior ainda: é evidente como dará errado. Isso ocorre várias vezes, gerando uma sensação constante de déjà-vu.

O declínio, no entanto, está no desfecho. Lanthimos se propõe a discutir o perigo dos conspiracionistas, mas termina sugerindo que uma figura perigosa, quase um Monark da vida, é justamente a pessoa que estava certa. A questão nem é saber se a protagonista é ou não um alienígena. O problema é o diretor demonstrar empatia pelas motivações do vilão, tratando-as como algo quase natural. O resultado beira o ridículo e escorrega para uma autocomplacência que soa irresponsável. Fica a dúvida se Lanthimos queria apenas chocar ou se realmente desejava dar voz a esse tipo de figura. Em qualquer dos casos, o efeito é preocupante. O humor não funciona e o exagero se volta completamente contra o filme.

Por fim, “Bugonia”, apesar da competência técnica e do elenco impecável, tropeça justamente no que deveria ser seu coração: a ideia. E, quando a ideia desmorona, nada consegue sustentar o projeto.

serviço

Filme “Bugonia”
Em cartaz nos cinemas brasileiros
Comédia/Ficção científica
Duração: 1h 58m

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