A cinebiografia de Mauricio de Sousa, atualmente em cartaz nos cinemas, retrata a infância e o início da carreira do cartunista criador da Turma da Mônica. Contudo, o filme se revela mais um produto publicitário do que uma narrativa envolvente
Gabriel Amora
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Foi emocionante participar da celebração que antecedeu a primeira sessão de “Mauricio de Sousa: O Filme” na Cinemateca, durante a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O ambiente transbordava expectativa e entusiasmo. Grande parte do elenco subiu ao palco, incluindo roteiristas, produtores, o diretor Pedro Vasconcelos e o próprio Mauricio, que, aos 90 anos bem vividos, apareceu em uma cadeira de rodas e foi ovacionado de pé. Antes mesmo de o filme começar, lágrimas e emoção já preenchiam a sala, um momento comovente que refletia o carinho e a admiração do público pelo autor. Essa atmosfera de afeto, no entanto, contrastava com a experiência da projeção, que, apesar de prometer narrar a trajetória artística do desenhista, se mostrava apressada, desorganizada e pouco convincente ao longo de seus 93 minutos.
A limitação central do longa está justamente em sua natureza promocional. Financiado pela Mauricio de Sousa Produções e pela Panini Comics, ele se apresenta como um produto elogioso, evitando qualquer registro de dificuldade na vida do autor. Nesse sentido, os filmes live-action sobre os personagens de Mauricio, Turma da Mônica e Chico Bento, se destacam por sua eficácia. Mesmo destinados ao público infantil, oferecem roteiros bem estruturados, atuações consistentes e cinematografia cuidadosa, conseguindo criar ritmo e tensão de maneira envolvente. Já o longa sobre Mauricio concentra-se quase exclusivamente na determinação do autor em transformar seus desenhos em sucesso financeiro, deixando de explorar a complexidade que tornaria sua trajetória verdadeiramente interessante e inspiradora.
Interpretado por Mauro Sousa, filho do próprio Mauricio, o filme mostra o surgimento da paixão pelo desenho, a família estruturada e amizades importantes, como a de Ziraldo. No entanto, detalhes conhecidos por meio de biografias tornam-se redundantes na tela, pois a narrativa evita qualquer dificuldade real. Não há menção a conflitos durante o divórcio dos pais, à falta de incentivo nos primeiros trabalhos jornalísticos ou apertos financeiros enfrentados após o casamento, para citar apenas alguns exemplos.
Essa escolha narrativa influencia diretamente a condução do filme pelos diretores, que tratam os obstáculos de forma superficial. Um exemplo é a cena em que Mauricio precisa criar histórias para meninas enquanto três crianças brincam ao seu redor, sem perceber a oportunidade diante de si. A ausência de tensão transforma a obra em um produto sem gravidade, quase publicitário. Um homem que é, indiscutivelmente, uma lenda no Brasil certamente enfrentou desafios, mas o filme opta por ignorá-los.
E é justamente essa omissão que torna o longa desconectado da realidade emocional do espectador. Embora não se esperasse um drama pesado, o público que acompanha Mauricio de Sousa hoje é adulto e merece um retrato honesto. O medo de explorar emoções reais e dificuldades concretas faz com que tudo pareça leve demais, desprovido de impacto, e quando o filme tenta provocar sentimentos, não há motivo suficiente para isso.
Por fim, fica um lamento pessoal. Após a sessão, minha mãe compartilhou comigo como Mauricio marcou sua infância, lembrando da ansiedade em esperar a vez de ler as revistas da Mônica com as amigas. Essa espera, carregada de expectativa e encanto, é a emoção genuína que o filme deveria ter capturado: os desafios, os esforços e a trajetória de um autor que, por meio das histórias em quadrinhos, buscava educar e representar uma geração. É realmente uma pena.






















