“Eddington” estreia com Joaquin Phoenix e Pedro Pascal, trazendo o trabalho mais político do diretor Ari Aster

Engraçado até o limite do desconforto, “Eddington” estreia nesta semana com Joaquin Phoenix e Pedro Pascal em uma comédia ambientada durante a pandemia de covid-19, expondo como o negacionismo contribui para a degradação da sociedade

Gabriel Amora
amoragabriel@ootimista.com.br

Nunca fui fã do cinema do diretor norte-americano Ari Aster. Quando “Eddington”, filme dele que estreia nesta quinta-feira (13) nos cinemas brasileiros, foi anunciado na programação do Festival de Cannes 2025, não senti urgência em garantir o ingresso. A constante comoção em torno do diretor sempre me pareceu desproporcional. Há uma aura de genialidade associada ao seu nome que, para mim, raramente se sustenta na prática.

Essa impressão vem de longa data. Sua filmografia oscila entre a ambição estética e a falta de medida. “Hereditário” (2018), por exemplo, já revelava esse descompasso entre forma e conteúdo, com um ritmo arrastado que desemboca em um clímax atropelado por traumas familiares mal resolvidos. “Midsommar” (2019) mostrou um pouco mais de equilíbrio, mas “Beau Tem Medo” (2023) mergulhou de vez na vaidade, transformando-se em um espetáculo ruidoso e vazio, marcado mais pela autoindulgência do que por qualquer profundidade real.

Talvez por isso “Eddington” tenha surpreendido tanto. Assisti ao filme em Cannes e, ali, Ari Aster rompeu com o ciclo de excesso e pretensão que marcou seus trabalhos anteriores. Agora surge mais contido, direto, e coloca finalmente a ambição a serviço de algo que encontra eco no tema. O filme se constrói como um faroeste contemporâneo ambientado em uma cidade fictícia durante a pandemia de covid-19. Contudo, o vírus é apenas o ponto de partida; a narrativa verdadeira gira em torno de um colapso mais profundo: o da vida em sociedade.

Nesse microcosmo distorcido, os personagens parecem saídos de um feed de rede social. Há o político populista, o negacionista barulhento, o jovem confuso elevado a mártir digital e a massa que oscila entre histeria e apatia. Tudo é hiperbólico, mas estranhamente familiar. Aster recria este universo como se estivéssemos presos em um scroll de TikTok, onde vídeos absurdos, discursos de ódio, fake news e autoafirmações vazias se acumulam até que nada mais faça sentido. Rimos, mas com desconforto, e o exagero nunca soa gratuito, porque, por mais grotesco que pareça, tudo aquilo já esteve ou ainda está ao nosso redor.

A força desse retrato vem, em grande parte, das atuações. Joaquin Phoenix conduz o filme com maestria ao encarnar um xerife tomado pela paranoia e pelo autoritarismo, síntese do colapso moral e emocional do mundo que o cerca. A performance dele é desconcertante e magnética; como de costume, é fascinante vê-lo se perder em personagens à beira do abismo. Em contrapartida, Pedro Pascal interpreta um antagonista de gestos contidos e olhar opaco. Há nele um silêncio tenso, quase cínico, que revela o oportunismo como forma de sobrevivência em meio ao caos. É o espelho frio da histeria que domina a cidade.

Visualmente, Aster acompanha essa contenção. Adota uma estética mais simples, com menos ornamentos e maior clareza na condução. O resultado é um filme em que a ambição encontra um alvo concreto: o presente. “Eddington” não fala apenas da pandemia, mas do que ela expôs sobre todos nós. Em uma das cenas mais emblemáticas, um personagem atira em outro enquanto grava tudo com o celular na outra mão. É o fim do mundo transmitido ao vivo, com filtro e efeitos, em um gesto que mistura vaidade, indiferença e espetacularização da violência. Nada mais atual.

No fundo, “Eddington” é um filme sobre a falência coletiva e sobre o modo como os vínculos se romperam. A leitura política se impõe sem discursos diretos; ela se revela nas situações, nos gestos e nos olhares. É o trabalho mais político de Ari Aster e, sem dúvida, o mais maduro. Pela primeira vez, o diretor parece compreender que o horror mais perturbador não depende de forças sobrenaturais, seitas ocultas ou rituais pagãos. Ele nasce de uma sociedade excessivamente conectada, perdida em si e disposta a qualquer coisa por atenção, influência ou pertencimento.

Que Ari Aster continue nessa direção.

serviço

Filme “Eddington”
Estreia nesta quinta-feira (13) nos cinemas
Comédia, Faroeste, Suspense
Duração: 2h 25min
Classificação indicativa
18 anos

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