“Cazuza: Boas Novas” resgata bastidores da última turnê e mostra o artista entre a criação e a vontade de viver 

Lançado no mês em que se completam 35 anos da partida do cantor e compositor, o documentário “Cazuza: Boas Novas” resgata bastidores da última turnê e escancara a falta que o poeta de olhar crítico para a realidade brasileira faz até hoje

Émerson Maranhão
emerson@ootimista.com.br

Não se assiste impunemente ao documentário “Cazuza: Boas Novas”, de Nilo Romero, que estreia na próxima quinta-feira (17) em circuito comercial no Brasil. Aos que nasceram entre o fim da década de 1960 e começo dos anos 1970, testemunhas históricas do período retratado no filme, o longa tem a capacidade de reavivar brasas aparentemente adormecidas e incendiar lembranças da época. Aos que vieram depois, “Cazuza…” tem a capacidade de apresentar um registro fidedigno de um período recente da história nacional, através da perspectiva de um de nossos maiores artistas populares.

O documentário foca no intervalo entre os anos 1987 e 1989, período em que o cantor e compositor Cazuza viveu uma explosão criativa: lançou três álbuns, foi premiado diversas vezes e realizou mais de 40 apresentações com o espetáculo “O Tempo Não Para”. O período é o mesmo em que o então astro em ascensão é diagnosticado com o vírus da Aids e enfrenta sérios problemas de saúde.

Dirigido e roteirizado por Nilo Romero, instrumentista, produtor musical, compositor, amigo pessoal e músico da banda de Cazuza na última turnê, o documentário consegue levar o espectador pela mão até os bastidores do espetáculo – e assim fazendo, mergulha na intimidade do artista, de sua obra e de sua relação com a sociedade e com o tempo em que viveu. Não à toa, a sequência que abre o filme é um registro do camarim de um dos shows, onde Cazuza celebra o sucesso entre poucos e bons amigos.

Romero se vale da proximidade que teve com o documentado e seu universo para conduzir entrevistas sinceras e reveladoras com amigos íntimos de Cazuza, como os cantores Leo Jaime e Ney Matogrosso, o músico George Israel, o fotógrafo Flávio Colker, e Lucinha Araújo, mãe do cantor e compositor, entre outros.

Mas que não esperem futricos nem bisbilhotices nas revelações que o filme traz. O que está posto em tela são reflexões sobre como o diagnóstico da doença aumentou a urgência em viver do artista, moldou sua compreensão do mundo e de sua obra, e também como tudo isso afetou seu entorno – que se desdobra na opinião pública e na mídia, para além dos amigos, músicos e familiares. E por “afetar” não se compreenda apenas a acepção negativa do verbo, mas também sua capacidade de comoção e sensibilidade.

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Ney Matogrosso é um dos convidados do documentário (Foto: Divulgação)

Misturando essas entrevistas inéditas a trechos de gravações dos shows da última turnê, reportagens televisivas e filmagens caseiras, “Cazuza: Boas Novas” é exitoso em transportar a plateia para estes dias tão representativos da virada da década de 1980 para a de 1990 no Brasil e suas implicações sociais.

No mês em que se completam 35 anos de sua partida, ocorrida em 7 de julho de 1990, é oportuníssima a possibilidade de observar em perspectiva e constatar como Cazuza conseguiu traduzir nas letras de suas canções, e também em seu comportamento no palco e fora dele, o espírito de uma época. Mais. Como foi feliz e ferino seu olhar para as misérias sociais, morais e políticas que assolavam – e seguem assolando – o País. E como foi altiva e grandiosa sua postura diante da morte, de quem viu a cara e constatou que estava viva, como bem descrevem os versos da canção que dá nome ao filme.

Em síntese, assistir a “Cazuza…” deixa inequívoca a falta que seu talento e mordacidade fazem hoje. Mesmo três décadas e meia depois de sua morte, ainda vivemos cercados por “essa gente careta e covarde”, como identificou certeiramente o poeta na canção Blues da Piedade, um de seus maiores clássicos, ainda que não um dos mais conhecidos.

Na verdade, a impressão que se tem é que essas “pessoas de alma bem pequena, remoendo pequenos problemas, querendo sempre aquilo que não têm” cresceram em número exponencialmente e insistem em nos cercar, “como varizes que vão aumentando, como insetos em volta da lâmpada”.

A eles, só restar rogar “piedade, senhor, piedade!”. A Cazuza, celebrar sua memória e seu legado – missão que o filme cumpre com louvor. “Então, vamos pra vida!”

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Assista ao trailer:

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“Cazuza: Boas Novas”
Documentário estreia nesta quinta-feira (17) nos cinemas
Duração: 1h31

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