Nordeste brasileiro celebra vitórias históricas no maior festival de cinema do mundo com “O Agente Secreto”, enquanto Jafar Panahi, símbolo da resistência iraniana, recebe a Palma de Ouro pelo filme “Um Simples Acidente”
Gabriel Amora
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O cinema brasileiro viveu um momento extraordinário neste fim de semana, durante a cerimônia de encerramento da 78ª edição do Festival de Cannes. Embora a Palma de Ouro de Melhor Filme tenha escapado, o Brasil saiu consagrado com dois importantes troféus: Melhor Direção, para Kleber Mendonça Filho, e Melhor Ator, para Wagner Moura, ambos reconhecidos pelo potente thriller político “O Agente Secreto”. O trabalho pernambucano foi o único a receber dois prêmios neste ano.
Ambientado no Recife de 1977, “O Agente Secreto” é protagonizado por Wagner Moura, no papel de Marcelo, um especialista em tecnologia que tenta escapar de um passado misterioso e retorna à cidade em busca de paz. O filme também recebeu o Prêmio da Crítica Internacional (FIPRESCI) e o Prêmio Art et Essai, oferecido pela Associação Francesa de Cinema de Arte e Ensaio.
Kleber em Cannes
No Grand Théâtre Lumière, diante de 2.300 convidados, Kleber foi aplaudido de pé. “Meu país é um lugar cheio de beleza e poesia. Eu tenho orgulho de estar aqui nesta noite para aceitar este prêmio. Quero mandar um abraço para todo mundo vendo do Brasil, especialmente no Recife, Pernambuco. E quero compartilhar esse prêmio com Emilie Lesclaux, minha parceira de vida e produtora”, declarou o cineasta, emocionado.
Impossibilitado de comparecer à cerimônia devido às gravações de um filme de Louis Leterrier, em Londres, Wagner Moura foi representado por Kleber. “Ele não é apenas um ator excepcional, mas um ser humano singular”, disse o diretor ao receber a honraria em nome do colega baiano.
A conquista representa a segunda vitória do Brasil na categoria de Melhor Direção — a primeira ocorreu em 1969, com Glauber Rocha, por “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (conhecido internacionalmente como “Antonio das Mortes”). Já o prêmio de Melhor Ator, conquistado por Wagner, é inédito para o País. A situação é diferente no caso das atrizes: Fernanda Torres e Sandra Corveloni já haviam sido premiadas anteriormente, por “Eu Sei que Vou te Amar” (1986) e “Linha de Passe” (2008), respectivamente.
O cineasta Walter Salles, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional por “Ainda Estou Aqui”, enalteceu a consagração do cinema brasileiro em Cannes: “É um momento histórico. “O Agente Secreto” é um filme de profunda inventividade, que desvenda um dos períodos mais violentos da ditadura e é movido pela extraordinária polifonia humana do Recife, que Kleber filma de forma apaixonante. Viva Kleber, Wagner, Emilie e todo o elenco e equipe desse filme genial. Viva o cinema pernambucano, viva o cinema brasileiro!”. Importante destacar que o Festival coroou o Brasil como o país homenageado pelo Mercado do Filme, área de negócios do evento.
Esta foi a quinta participação de KMF em Cannes, festival onde já brilhou com “O Som ao Redor” (2012), “Aquarius” (2016), “Bacurau” (vencedor do Prêmio do Júri em 2019) e “Retratos Fantasmas” (2023). No momento, não há data de estreia confirmada para “O Agente Secreto”.
O presidente Lula apreciou as conquistas brasileiras do Festival de Cannes em suas redes sociais. Para o chefe do Executivo, “sentimos ainda mais orgulho de ser brasileiros”. “É dia de comemorar o reconhecimento que nossa arte tem no mundo e de celebrar a alegria de viver em um país que tem gigantes como KMF e Wagner Moura”, apontou. Lula afirmou ainda que as premiações reforçam a potência do cinema nacional: “Nosso cinema não deve nada a ninguém”.
Irã também fez história
Após reconhecimento à força do cinema brasileiro, o festival consagrou “Um Simples Acidente”, do diretor iraniano Jafar Panahi, com a Palma de Ouro — a segunda da história do Irã, após “Gosto de Cereja”, em 1997, de Abbas Kiarostami. Panahi, que foi perseguido, torturado e preso em seu país natal, subiu ao palco do Grand Théâtre Lumière para receber o prêmio das mãos da atriz Cate Blanchett. Em seu discurso, Panahi fez um apelo comovente: “Acho que este é o momento de pedir a todos os iranianos, no Irã ou no mundo: vamos deixar de lado […] todos os problemas, todas as diferenças. O mais importante agora é a liberdade de nosso país. Ninguém tem o direito de lhe dizer o que você tem ou não tem que fazer”. O cineasta completou a tríade dos principais prêmios dos três maiores festivais europeus: Leão de Ouro, em Veneza, Urso de Ouro, em Berlim, e, agora, a Palma de Ouro, em Cannes.