Marcelo D2 participa de evento de inovação no Texas e detalha missão de levar cultura acessível aos brasileiros, além de revelar desejo de espalhar a palavra do samba de uma ponta à outra do globo
Danielber Noronha
danielber@ootimista.com.br
Babi Bono
Especial para O Otimista
A cidade americana de Austin, no Texas, recebeu este mês o South by Southwest Conference & Festivals, conhecido como a “Disney da Inovação” e um dos maiores festivais impulsionadores de ideias criativas no mundo. Circulando por lá estava o carioca Marcelo D2, apresentando a investidores e amantes da música o que chama de “novo samba tradicional”. Além de cantar, ele esteve em busca de potencializar uma missão: levar arte gratuita ao maior número de pessoas que conseguir, trabalho que tem feito com mais força desde que inaugurou o Centro de Pesquisa Avançado do Novo Samba Tradicional Onde o Coro Come. “É muito fascinante ver a quantidade de pessoas interessadas em fazer música e também olhar para ela enquanto negócio. Venho para cá como músico e como empresário”, demarca.
O artista brasileiro levou ao SXSW seu mais recente cartão de visitas, o disco Iboru, lançado na metade do ano passado. “O novo samba tradicional é uma missão e quero espalhar ele para o mundo”, ambiciona. O álbum, segundo ele, é um olhar particular sobre o organograma do subúrbio do Rio de Janeiro, lugar de onde ele surgiu e segue carregando consigo por onde vai. Marcelo tanto olha para o passado, que defende este como o lugar de respostas para construir um futuro melhor. “A gente não constrói o futuro sem olhar para o passado, sem entender a nossa história”, defende.
Além de resgatar as raízes, o artista diz que o Brasil, sobretudo a periferia, tem muito a ensinar ao resto do mundo, incluindo os debates propostos no SXSW. “A resiliência do povo periférico é o que tem de melhor no ser humano. Isso não tem empresa de tecnologia que compre”. “É importante vestir o Brasil com uma camisa que realmente nos representa enquanto povo brasileiro”, aponta.
Engana-se quem acredita que as ideias de D2 fazem bem somente à coletividade. Haja visto que a meta de democratizar arte e acesso à cultura, segundo ele, trouxe um fôlego a mais para os 30 anos de carreira. “Estou muito animado e feliz de ter descoberto esse novo lugar”, celebra.
Entre utopias e sonhos
Aos 56 anos, Marcelo D2 demonstra na fala e nos ideais o fôlego de adolescente e evidencia ter muita gana para transformar questões sociais há muito enraizadas na conjuntura brasileira. Tamanha sede por transformação o fez se descobrir uma pessoa de fé, tanto que, na hipótese de conduzir um Brasil paralelo no vasto ambiente do Metaverso, ele apostaria na igualdade de oportunidades como forma de romper as barreiras que impedem o desenvolvimento pleno da sociedade. “Nesse jogo que é desigual para caramba, se a gente conseguisse botar todo mundo no mesmo patamar, com oportunidade, seria diferente. Isso é uma utopia, mas que ao mesmo tempo é a minha fé. Acredito nesse mundo melhor”, revela.
Sobre o que levar na bagagem de volta para o Brasil, Marcelo D2 se mostrou otimista com as possibilidades propostas no evento em que participou. “Quero deixar aqui a ideia de que o Brasil é um país que se reconstrói todo dia. A gente dá a volta por cima e sai sambando de tudo isso. Quero sair daqui com empresas, com gente que esteja alinhada com esse meu olhar e que esteja afim de se juntar a isso, bancar essas coisas e a gente espalhar cultura para ir atrás dessa nossa utopia. Fé!”, finaliza.
Confira a entrevista completa que Marcelo D2 concedeu ao Tapis Rouge com exclusividade:
(Por Babi Bono)
O Otimista – Iboru faz um convite à ancestralidade do futuro. Por que trazer esse convite para Austin e o SXSW?
Marcelo D2 – Tem uma coisa que me fascina nesse festival que é a quantidade de pessoas interessados em fazer música e música enquanto negócio. Eu venho para cá como músico e como empresário. E para mim, esse novo samba tradicional é uma missão e quero espalhar ele para o mundo. É um meu para um subúrbio do Rio de Janeiro, mas que retrata quase as necessidades do Brasil inteiro. Estou muito animado e feliz de ter encontrado essa coisa nova depois de 30 anos de carreira. Acho que vale um levante cultural, vale vestir o Brasil com uma camisa que realmente nos representa enquanto brasileiro. Esse novo samba é a cara desse Brasil periférico, inclusivo, cheio de fome de cultura, de conhecimento.
O Otimista – Esse festival fala muito de inovação e você diz que inovação é sobre voltar para a própria história. Quando você fala de subúrbio e dessa construção, sei que o Luiz Antonio Simas, que é um historiador incrível, esteve com você nessa construção, e ele faz muito a conexão das nossas histórias com a construção desse futuro. Você também acha que a inovação brasileira vem dessas encruzilhadas?
Marcelo D2 – O Simas é um mestre, parceiro. Ele usa uma metáfora interessante, que é a do arco e flecha, que puxa lá atrás para acertar lá na frente. A gente não constrói o futuro sem olhar para o passado. Esse olhar traz muita coisa interessante, nos ensina a nos ver também, ver que a nossa história está aí e que a gente não vai construir um futuro sem olhar para trás.
O Otimista – Quando a gente pensa no Brasil, não tem como falar de futuro sem pensar em raça, classe e gênero. Como você vê as novas tecnologias e a Inteligência Artificial se unindo à arte para ajudar também nos desafios sociais que a gente enfrenta?
Marcelo D2 – A gente tem uma ferramenta super inclusiva. A internet é inclusiva, sabe? Eu sei que o mal está no ser humano. Então, o preconceito, a exclusão vai vir tudo do ser humano. Ele vai criar grupos, querer atirar. Mas eu acho que a gente tem a possibilidade de escrever uma história muito incrível com as novas tecnologias. Os jeitos de se conectar com o outro no mundo todo. Eu sei que a grande maioria da população periférica, por exemplo, não tem acesso integral à internet, mas temos muito conhecimento, muita cultura na palma da mão. Temos que construir um universo mais rápido e fácil do que esse universo que a gente está acostumado nas escolas, de preparar o cidadão para ter um conhecimento, até ele poder fabricar alguma coisa para o patrão. ‘Eu te ensino a trabalhar para mim’.
O Otimista – Você tem co-criado esse projeto junto com uma nova geração, já estamos falando de novas tecnologias. Isso também mudou o seu processo criativo?
Marcelo D2 – Eu acho que sempre foi assim, na verdade. É que agora tem muito mais possibilidades de você trabalhar, sabe? Eu vejo isso como uma oportunidade, não vejo como um desafio enorme. Sempre gostei desse mix de linguagem. Eu sou um cara que gosta de skateboard, de futebol, de punk rock, de samba. Então, para mim, esse mix todo é muito interessante. E, claro, diferencia muito a maneira do processo criativo, porque hoje em dia, por exemplo, eu escrevo um filme e no filme eu já estou pensando na música e no clipe que vou lançar pra essa música ou em como vou botar ela nas plataformas digitais. Para mim, isso tudo é um processo. Eu sou filho de Ogum, o cara da ferramenta, então acho elas maravilhosas.
O Otimista – O SXSW é conhecido também por provocar debates polêmicos. Esse ano, um dos principais patrocinadores do festival é a US Arms, financiadora da guerra na Palestina, e que está patrocinando várias palestras cuja temática correlaciona a inovação e evolução do mundo a partir da presença das armas. Alguns artistas até cancelaram sua participação no festival por conta disso e na cidade a gente vê alguns bares com cartazes dizendo que armas não são bem-vindas ali, uma vez que elas são legalizadas aqui no Texas. Do outro lado da mesa, muitas palestras sobre uso e descriminalização da cannabis, psicodélicos e a relação disso tudo com saúde mental. Pensando no Brasil, a gente vive uma guerra falida contra as drogas e você é um cara político e que traz seus posicionamentos nas suas letras vivências. Como a gente fala de futuro sem sofrimento para essa juventude, principalmente a periférica, com todos esses contextos de mundo?
Marcelo D2 – Primeiro a gente tem que ter um pouco de consciência de classe, sabe? As pessoas têm que saber de onde vêm, de onde são. Eu fico muito triste ver empregado defendendo o direito do patrão, de ver a periferia conservadora. Quando você está falando de conservador, você quer dizer que você quer conservar o que tem, quer dizer que você vai continuar nesse espaço, vai continuar sem saneamento básico, sem educação, sem saúde, sem tudo. Mas acho que tem dois assuntos aí que são importantes nesse lugar. Primeiro, tirar um pouco desse manto moralista e hipócrita da conversa: do cara que é contra as drogas, mas bebe whisky, do cara que é a favor da família, mas tem uma amante há 30 anos. A gente, no Brasil, ainda vai ser muito, mas muito usado por essa política do medo, sabe? ‘As drogas vão acabar com a sua família, os comunistas, os homossexuais vão pegar seus filhos’. Acho que o que a gente precisa é ter consciência do espaço que a gente está no mundo. Essa contradição do South by Southwest que você falou aí, de uma certa maneira, faz parte da democracia. Aqui no Texas, por exemplo, que arma é legal, o cara não pode impedir o outro de entrar armado no restaurante dele, mas ele pode falar: ‘armas não são bem-vindas’. A democracia tem essa beleza do poder de escolha que ainda é o melhor caminho.
O Otimista – Já que estamos falando de futuro… O futuro não existe, ele é uma narrativa e a gente está aqui, no que chamam hoje de Norte Global. E você, como artista, que traz o Iboru a ideia de olhar para o passado para construir o futuro, o que o Norte Global tem pra aprender com o subúrbio carioca e com as favelas brasileiras quando falamos de inovação?
Marcelo D2 – Cara, a periferia é a raiz de tudo isso. A gente pode dividir em milhares de episódios. Culturalmente, nem se fala, porque da onde sai cultura é das periferias. Todos os movimentos que a gente viu no mundo, dos beatnicks poetas, do punk rock, do rap, do samba, do funk, tudo isso vem da periferia. E depois acaba virando comercial de refrigerante no final da história. Acho que a resiliência do povo periférico, de se adaptar às situações. Isso não tem empresa de tecnologia que compre. Não tem!
O Otimista – No multiverso do D2 tem samba rap, cinema, arte, dança, história e fé. A gente fica buscando respostas pra muita coisa que já está dentro da nossa casa, então antes de pirar no metaverso, se vc fosse construir o Brasilverso, o que não poderia faltar? Se você fosse presidente do ‘Brasilverso’, como seria esse lugar?
Marcelo D2 – O melhor que o Brasil tem é o brasileiro, sabe? Acho que a gente tem que potencializar isso,as pessoas. Só pra deixar bem claro aqui, não gostaria de ser presidente, não. Mas acho que se eu tivesse esse poder, que nem o presidente não tem sozinho, iria potencializar as pessoas. Essa coisa da meritocracia, de que se você faz, você ganha, esse papo furado, nesse jogo que é desigual pra caramba. Mas se a gente tentasse conseguir igualar todo mundo no mesmo patamar e falar assim: todo mundo tem oportunidade. Isso é uma utopia, mas uma utopia que talvez seja a minha fé. Eu descobri que sou um cara de fé por conta disso, porque eu acredito nessa utopia, nesse mundo melhor.
O Otimista – O que que Iboru deixa em Austin e o que que Iboru leva de Austin para gente mudar a realidade no Brasil?
Marcelo D2 – Quero deixar um pouco desse novo samba tradicional, dessa ideia de que o Brasil é um país resiliente e se reconstrói todo dia. Mesmo com anos e anos de governos fascistas, ataca à cultura, a gente pode ser um país. Mesmo com os números tristes, de ser o país que mais mata jovem negro, o país que mais mata LGBTQI, o país que mais mata, mata, mata, mata, mata, mas que a gente é resiliente, a gente vai dar a volta por cima, a gente sai e faz isso tudo sambando. E quero levar dinheiro, negócio. fazer negócios de impacto. Eu tenho uma missão que é distribuir cultura de graça nesses próximos anos, compartilhar um pouco da minha, dos meus 30 anos de carreira, quero sair daqui com empresas, com gente que esteja alinhada com esse meu olhar e que esteja afim de se juntar a isso, bancar essas coisas e a gente espalhar cultura para ir atrás dessa nossa utopia. Fé!