O protagonismo feminino no samba de Fortaleza está cada vez mais evidente. Rodas lideradas ou formadas apenas por mulheres estão movimentando a cena local e atraindo grande público
Naara Vale
naaravale@ootimista.com.br
Em um ambiente ainda majoritariamente masculino, conseguir reconhecimento nas rodas de samba requer das mulheres um esforço a mais para mostrar sua potência. Nomes como Dona Ivone Lara, Jovina Pérola Negra, Beth Carvalho e Elza Soares foram os primeiros a ocupar espaços de visibilidade dentro do samba no Brasil. Com o passar do tempo, mais e mais cantoras e musicistas estão adentrando às rodas. Em Fortaleza, o movimento está cada dia mais forte.
Para quem está no circuito do samba cearense há mais de 40 anos, ver mulheres ocupando esses espaços é uma vitória. “O samba realmente sempre foi mais masculino, antigamente era uma raridade ver uma mulher tocando tanto na percussão quanto na harmonia”, lembra Marilene Sales, que cresceu em meio às rodas de samba do Bar da Mocinha, na Praia de Iracema, e ali se fez uma das mais respeitadas sambistas de Fortaleza. “As portas estão se abrindo para o samba feminino”, comemora.
Um dos impulsos para isso foi o movimento Samba Delas, criado em 2017. “Eu tinha um incômodo de não ver as mulheres nas rodas de samba. Eu sabia que na cidade nós tínhamos boas instrumentistas, tanto que no Pré-Carnaval, a gente vê os blocos e, na sua maioria, são mulheres tocando. Mas essas mulheres sumiam depois”, conta Michele Militão, produtora cultural e diretora do coletivo. Ao lado de outras “manas”, ela juntou mulheres sambistas para se apresentarem no Dia Nacional do Samba. Cerca de 25 cantoras e instrumentistas participaram desse pontapé. Daí para cá, mais de 80 mulheres já passaram pelas rodas do Samba Delas. “A gente se responsabiliza, sem medo de dizer, que esse fomento foi feito pelo projeto porque deu visibilidade às sambistas e quebrou paradigmas”, orgulha-se Michele.
Lugar cativo
A aposta que alguns bares da cidade vêm fazendo nas rodas puxadas por mulheres também tem sido importante. No bar Café Couture, por exemplo, todo sábado as Minas do Samba, roda composta só por mulheres, tem lugar cativo. Já no bar Teresa e Jorge, a programação musical é protagonizada por nomes como Marilene Sales, Edilane Oliveira, Semírames Ribeiro, Malena Monteiro (com o grupo Capital do Samba), Cris Malagueta, Hanna Feijão (com o grupo Mesa pra 3) e Samba das Teresas (feito só por mulheres). “É uma questão social a gente se colocar nesses espaços que são bem masculinizados. Desde a roda samba constituída por mulheres – mesmo que não seja só de mulheres, mas elas são as protagonistas – até a administração do bar”, pontua Raquel Rebouças, sócia proprietária do Teresa e Jorge.
Quebrando barreiras
Musicistas de diferentes gerações contam que ainda enfrentam obstáculos para provar seu talento nas rodas de samba
As cantoras Malena Monteiro e Cris Malagueta vêm de uma geração em que o protagonismo das mulheres na música se restringia à voz e têm acompanhado a entrada das instrumentistas nas rodas de Fortaleza, mas contam que ainda há barreiras. ”O espaço para cantora é mais livre, eu percebo o machismo mais com as meninas que tocam instrumento. Não dos músicos, é mais do próprio público”, avalia Malena. “Eu tive algumas dificuldades no começo pelo descrédito de que mulher não consegue comandar uma roda de samba. Foi toda uma construção até conquistar o espaço”, contrapõe Cris Malagueta.
Aos 24 anos, a cantora, violonista e compositora Theresa Rachel entrou mais recentemente na cena do samba cearense. Violonista desde os 12 anos de idade, há um ano e meio ela montou o Samba da Theresa e já encontrou espaços mais receptivos às mulheres sambistas, embora ainda tenha esbarrado com o preconceito enraizado. “É você ter que provar ou ter que estudar mais seu instrumento para estar ali no meio dos homens. As rodas ainda são majoritariamente masculinas. Se você chega lá com o seu violão e só toca, como era o meu caso há uns três anos, as pessoas não botam muita fé em você até você mostrar o que sabe”, observa a sambista.
Onde curtir
Café Couture
Rua dos Tabajaras, 554 – Centro
(85) 3109-5390
@coutureartecafe
Teresa e Jorge
João Cordeiro, 540 – Centro
(85) 99926-7207
@teresaejorge
Serpentina Bar e Cultura
Av. Heráclito Graça, 760 – Centro
@serpentinabarecultura
Vila Bar
Rua Sabino Pires, 6 – Aldeota
@vilabarfortaleza






















